As
excludentes da conduta humana no contexto finalista de ação (significativa)
Rodrigo Murad do Prado
Defensor
Público do Estado de Minas Gerais
Mestre em
Direito Processual
Aluno
regular dos cursos de Doutorado da Universidad de Buenos Aires
Pós-graduado
em Direito Privado
Pós-graduado
em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública
Professor
Universitário
O presente artigo tem como
proposta analisar as excludentes da conduta humana (ação/omissão) sob o
contexto da teoria finalista (finalismo) proposto por Welzel e adotado pela
grande maioria dos código penais latino americanos.
Para tanto, torna-se necessário
examinar a teoria finalista de ação (conduta) e os conceitos de delito tendo
por referencia autores brasileiros e argentino e a doutrina suíça e alemã.
Não obstante o enfoque do tema na
teoria finalista de ação, foi salutar trazer a baila o proposto por Paulo
Roberto Busato sobre Ação Significativa que, dentro do contexto finalista,
reanalisa as excludentes.
Teoria Finalista da Ação
A teoria finalista de ação,
conforme dispõe o autor Luiz Regis Prado,
veio para se opor ao critério utilizado pela causal, que separava a vontade e o
conteúdo da ação. Haveria distinção entre o querer e o desejar.
Sobre tal distinção salutares são
os ensinamentos do professor ZAFFARONI:
“Quase unanimemente admite-se que toda conduta deve
ser voluntária, isto é, que sem vontade não há conduta. Os problemas surgem
quando se trata de precisar o conteúdo da vontade requerida pela conduta.
Esclareceremos repetidamente este ponto, mas, de momento, começaremos por
distinguir a “vontade” do “desejo”, o “querer” do “desejar”.
Voluntário é o querer ativo, o querer que muda
algo, enquanto desejar é algo passivo, que não se põe em movimento para mudar
coisa alguma. Querer é viver e desejar é desejar-se viver (Hidegger). Aquele
que quer – tem vontade – movimenta-se em direção ao resultado; o que “deseja”
apenas espera o resultado, como o qual se alegrará se sobrevier.
Assim, distinguidos os conceitos, fica claro que se
pode ter vontade sem desejo e desejo sem vontade. Um sujeito pode querer obter
uma soma de dinheiro mediante uma ação violenta, mas não ter desejado esta
ação, e ter sido coagido a cometê-la por um terceiro que o ameaçava de morte.
Inversamente, pode ocorrer que um sujeito queira a morte de um tio rico, para
herdar-lhe o patrimônio, e apesar disto nada faça para matá-lo.
A vontade implica sempre uma finalidade, porque não
se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada; a vontade sempre é
vontade de algo, isto é, a vontade sempre tem um conteúdo, que é uma
finalidade. Isto é reconhecido por quase todos os autores, pois é quase uma
verdade evidenciada, só que, enquanto nós sustentamos – junto com boa parte da
doutrina – que este fenômeno é inegável em qualquer conceito de conduta humana
(...).Uma vontade sem conteúdo não é vontade, porque isto é inimaginável. A
distorcida idéia de uma vontade sem finalidade só pode ser filha de uma posição
idealista, porque, sob o ângulo do realismo é absurda.(...)por ora, o que nos
interessa é deixar claro que para uma análise do delito que toma como base o
realismo, a vontade implica finalidade, de tal forma que a expressão “vontade
final” resulta tautológica.
Em razão de ser impossível a conduta sem vontade, e
a vontade sem finalidade, resulta por conseqüência que a conduta requer sempre
uma finalidade”.
A ação humana (conduta) passou a
consistir em um exercício de uma atividade finalista. O homem se baseou no
saber causal. Passou a prever psiquicamente dentro dos seus limites a
possibilidade das consequências de seus atos, conforme a busca de seu objetivo
previamente determinado.
Assim, podendo antecipar as
consequências, juntamente com a seleção de meios, considerando seu efeito,
poderia prever o resultado final do esperado.
A vontade finalista, consciência
do fim e querer do agente, dirigiam o processo causal externo, convertendo-se
em um fim.
Contudo, perante esse conceito de
ação, pode-se selecionar comportamentos humanos
de capacidade valorativa jurídico-penal, passando o conceito a ser mais
axiológico (ciência dos valores) do que ontológico (ciência do ser).
Por esse conceito, Luiz Regis
Prado
diz que, o homem passou a seguir as seguintes etapas:
1)Subjetiva: esfera intelectiva
ou pensamento
a)antecipação do fim esperado (o
pretendido);
b)seleção dos meios para a
execução do fim (meios de execução);
c)visualização dos efeitos
relacionados ao uso dos meios e o fim a ser alcançando (consequências);
2)Objetiva: ocorre na realidade,
a experiência.
Tais etapas ocorrem dentro do
conteúdo da vontade, ou do querer do agente, e do fator causal.
TEORIA DO
CONCEITO SIGNIFICATIVO DE AÇÃO
Conforme referido acima, para a
análise das excludentes da conduta humana propomos a adoção do denominado conceito
significativo de ação contido na obra do professor Paulo Roberto Busato o qual
reza que o conceito significativo da ação é uma moderna interpretação sobre a
ação, que demonstra uma nova direção
para o conceito de conduta.
Conforme expressou o digno doutrinador
Paulo César Busato, o
conceito nasceu com Vives Antón, que se baseou em Ludwig Wittgenstein e na
teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermans, também alcançando George Fletcher.
Essa nova filosofia passou a se
preocupar com a interpretação do conceito de ação dentro da ordem social,
buscando o subjetivismo individual. Encontrou uma nova ideia de percepção da
ação a partir da transmissão do significado que se pode demonstrar.
Deixou de ser um conceito
ontológico (do ser), naturalista e muito menos axiológico (de valores),
conforme Paulo César Busato:
... passando a ser uma composição do fato físico
(movimento corporal) e outro mental (a
volição); deste modo, resultava factível estabelecer uma diferença ontológica entre as ações e os demais fatos,
baseada na aportação da mente... a ação
passou a ser entendida não como algo que os homens fazem, mas como
o significado do que fazem;... como um
sentido.
Assim sendo, a percepção do
sentido da ação não provém da realidade do sujeito (condição interna), nem do
objeto (interna), mas do inter-relacionamento dos dois elementos.
Enfim a percepção é um sentido.
Consequentemente, o conceito significativo de ação passou a se identificar com
a interpretação social. Deixou-se de falar sobre aquele que atua, mas sim sobre
a ideia que a conduta transmite.
A ação passou a ser vista no
contexto a que ocorre. Visto que a determinação da ação não depende unicamente
da intenção, mas da sociedade, onde é extraído o seu sentido e significado.
Somente seria possível se dizer
ação, aos agentes que pudessem ter capacidade de formular e expressar
intenções, dando a ela o verdadeiro significado social.
Para o referido autor Paulo César
Busato,
não resta dúvidas que a ação tem uma finalidade específica, mas que este fim
não seja a determinação da realização da ação e que essa ação deva ser
conectada a valores normativos.
O conceito significativo de ação
passou a se basear na comunicação da ação, formando um processo cooperativo de
interpretações que envolvem participantes nesse contexto.
A ação acaba por ser percebida,
mas não se determina. É um fenômeno que se relaciona com a comunicação, entre o
sujeito e o meio em que ele vive, adotando a interpretação dessa inter-relação.
Novamente o mesmo autor
acima citado, diz que:
Nem todas as condutas são vistas
como guiadas por intenções. Algumas ações são vistas como causadas por
acontecimentos, á margem do que o autor pretendia. A resposta dos demais a uma
ação depende de se a consideram causada ou intencional.
Assim, por meio de um movimento
corporal exteriorizado que se muda o mundo. Mas pode-se pelo conceito
significativo de ação distinguir o movimento que modifica o mundo, do que
movimento que se realiza e põe-se de significado.
Novamente o mesmo autor
anteriormente citado diz que:
Evidentemente é distinto o movimento físico em si
de estender a mão para cima e este mesmo
movimento realizado por um guarda de trânsito ordenando que o fluxo de tráfego
se detenha. A ação só pode ter sentido jurídico desde que interpretada em
conjunto com seu entorno. ... A ação significativa é portanto, resultado
da comunicação.
CONDUTA
Sobre a conduta humana, existem
vários conceitos sobre a conduta no Direito Penal. A mais típica citada, por
autores como por exemplo Damásio E. de Jesus,
Rogério Greco, e
Francisco Munhoz Conde,
é definida como a ação ou omissão humana consciente e dirigida a uma determinada finalidade.
Damásio E. de Jesus, comenta
que a conduta tem como características:
o comportamento do homem como forma de
expressão de sua personalidade, e que essa não
pode ser realizada por animais, pois os animais são irracionais, e não
possuem consciência para determinarem-se conforme a sua personalidade.
Precisa ainda, no Brasil pelo
menos, ser pessoa física, porque pessoa jurídica não tem condão de delinqüir.
Também, considera-se como
características as condutas externas, que não punem a atividade psíquica, isto
é, o que o sujeito tem em mente.
Deve a conduta ser voluntária,
a partir de um movimento ou uma
abstenção de movimento corporal. Portanto fala-se em conduta quando há uma opção pelo autor do fato. Quando ele pensa
em realizar algo, escolhe os
meios e o realiza.
Conforme Damásio E. de Jesus, os
elementos da conduta são:
a) ato dirigido a uma determinada
finalidade;
b) atuação positiva ou negativa,
como forma de manifestação de vontade.
O mesmo autor, diz também que
para Welzel haveria a divisão do item “a”, em: objetivo pretendido, meios
usados na execução, e conseqüências secundárias da prática; e o item “b” em
aspecto psíquico e mecânico ou neuromuscular.
Mesmo com todos esses elementos
há, contudo grandes discussões sobre o conceito de conduta. Desde sua concepção
no âmbito penal, dentro de todo o seu processo evolutivo, aliado a vários
acontecimentos históricos.
Surgiram diversas teorias, e as
mais aceitas foram a teoria causal, teoria finalista e a social.
Existem outras, que são adotadas
pelo doutrinador Luiz Regis Prado, Fabio André Guaragni (na obra As Teorias da
Conduta em Direito Penal) e Paulo César Busato (na obra e Direito Penal e Ação
Significativa).
A AÇÃO E
OMISSÃO
Paulo César Busato
cita que dentro da definição adotada por Claus Roxin, como sendo Hegel “o pai
do conceito jurídico de ação Penal”, desenvolveram-se várias outras, tanto para
a ação como para a omissão.
A exemplo, de que a ação é todo o
comportamento que depende da vontade humana,
uma opção e um ato humano voluntário.
Eugenio Raúl Zaffaroni
comenta que o cometimento de um ato é o
mesmo que realizar a ação, e a omissão é a realização de um não fazer.
Damásio E. de Jesus,
diz que a “ação é a que se manifesta por
intermédio de um movimento corpóreo tendente a uma finalidade”, em que se
mostra nos núcleos dos tipos como modo
positivo de um agir.
Mas mesmo que um verbo dite um
agir positivo, nem sempre o será por ação, podendo ser mediante a omissão.
Fábio Bittencourt da Rosa,
semelhantemente a Eugênio Raúl Zaffaroni, retrata que a conduta é regulada por
normas. Se o sujeito realiza um comportamento que causa modificações no mundo
exterior, ele está praticando uma ação. E se deixar de cumprir algo que a norma
lhe imponha, fica caracterizada a omissão.
Portanto, se se acaba por
modificar o mundo externo não há somente a ação, mas há também a omissão,
quando se deixa de fazer algo que se é obrigado a fazer e não faz.
Explica Munhoz Conde:
“A direção final da ação se realiza em
duas fases: uma externa, outra interna”.
A fase interna, é quando o
sujeito pensa, se propõe a determinada finalidade, escolhe os meios para poder
atingir o fim e considera os efeitos que podem ser causados. Na fase externa,
depois dos meios escolhidos, procede-se a realizar sua meta proposta.
Logo a ação é uma causalidade, um
resultado do agir e a omissão do não agir, compelido pela norma ao não fazer,
em que a vontade, para a Welzel, implica a uma finalidade voltada a busca do
fim.
Crime, sob o enfoque filosófico
seria toda manifestação corpórea que causa um resultado violador de dogmas
sociais dentro de um contexto normativo previsto previamente.
Mas além de haver conduta,
deve-se ponderar que o fato em que ela ocorreu deva ser típico, e também se é
contrário ao ordenamento jurídico (antijurídico) para que exista crime. De tal modo, as características do crime, sob
conceito formal configuram-se em:
a) fato típico;
b) antijuridicidade.
Ainda dentro do fato típico,
também se encontra a conduta humana dolosa ou culposa, o resultado (exceto nos
crimes de mera conduta), nexo de causalidade entre a conduta e o resultado
(exceto os crimes de mera conduta), enquadramento material (conduta, resultado
e nexo) a uma norma penal incriminadora.
Por conseguinte, a doutrina
considera que: O delito é um todo, não
podendo ser dividido em partes, como se fosse uma fruta cindida em pedaços. O crime é um fato a que
se agregam características. Pode-se falar, então, em requisitos ou
características do delito, não em elementos. (p. 153)
Conceitua-se materialmente o
crime como sendo o desvalor de uma conduta social, face o bem penalmente
tutelado.
O conceito material de crime,
para Fábio Bittencourt da Rosa, é pré-jurídico, vez que se traduz em uma
conduta que implica em desordem social. Sendo o comportamento danoso, já se
demonstra lesão a bens jurídicos da vida. Assim se expressa o autor:
A cultura de uma sociedade, sem dúvida,
estrutura-se nos valores por ela eleitos e que dão a razão de ser das reações
na vida... Tais valores, por seu lado, moldam as normas de convivência que as
expressam, em geral, por preceitos escritos.
Logo, tal definição surge antes
da violação\da lei proibitiva. Inicialmente, um comportamento lesivo fere os
valores sociais e os bens da vida. Secundariamente, viria a norma para tutelar os sujeitos assim
lesionados, e seus bens.
O conceito estratificado ou
analítico de crime é elucidado por Eugenio Raúl Zaffaroni como sendo uma
sequência analítica de passos sucessivos. Exemplifica que:
Quando queremos averiguar se o que temos diante de
nós é uma zebra, antes devemos dispor do conceito geral de zebra, isto é, do
conjunto de caracteres que deve ser um ente para ser qualificado de “zebra”.
Supondo que este conceito geral é um animal e, só no caso de uma resposta
afirmativa, nos perguntamos se seu pêlo apresenta listras de cor mais escura. Não
frá sentido que nos perguntemos se um pato (que não responde ao conceito de
cavalo) ou uma pedra (que não responde ao conceito de animal), tem pêlo com
listras de cor mais escura. As perguntas surgiram em uma certa ordem a partir
de um conceito “estratificado”, isto é, de um conceito de “zebra” que tem
estratos; que corresponde a um caráter genérico (“animal”) e outros estratos
que correspondem a caráter específico (“cavalo” e “listrado”).
Mas porque é denominado esse
conceito como estratificado? O autor diz que tal terminologia vem da geologia.
Estrato quer dizer “camadas minerais de
densidade uniforme que constituem os terrenos sedimentários”.
Eugenio Raúl Zaffaroni diz em
relação ao conceito analítico de crime: “são
suas características analiticamente obtidas, formando diversos planos, níveis
ou estratos conceituais, mas o delito é uma unidade e não uma soma de
componentes”.
Na verdade o que interessa para
conceitos práticos são os elementos necessários que deva ter uma conduta para
ser considerada como delito punível. Desta forma, para se analisar se há crime,
se verifica a existência de conduta, a tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade.
ELEMENTOS
DO CONCEITO ESTRATIFICADO DE CRIME
A conduta humana constitui o
elemento fundamental e inicial do conceito de analítico do crime.
Segundo o professor Eugenio Raúl
Zaffaroni diz que tipo penal é:
...um instrumento legal, logicamente necessário e
de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização
de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas).
Francisco de Assis Toledo
assimila que: “tipo é a descrição
abstrata da ação proibida ou da ação permitida”.
Eugenio Raúl Zaffaroni
alude que o tipo pertence à lei, como nos tipos penais da parte geral e
especial do Código Penal e nas leis especiais.
Considerando que o tipo é uma
fórmula legal, que serve para individualizar as condutas que são proibidas por
lei.
Ainda faz-se necessário dizer que
o tipo é essencial para averiguação dos elementos da antijuridicidade e a
culpabilidade, pois sem o tipo não há como se seguir adiante no conceito de
crime.
Francisco de Assis Toledo ainda
se reporta sobre a existência dos tipos incriminadores, que descrevem a conduta
proibida, e os permissivos ou justificadores, que se referem às condutas
permissivas.
Tipo e Tipicidade
O tipo não pode ser confundido
com a tipicidade, pois são coisas distintas. Isso porque o tipo é uma norma
descritiva constante na lei, e a tipicidade é o segundo elemento de averiguação
do crime que pertence à conduta.
Francisco de Assis Toledo
narra que a “tipicidade é a subsunção, a justaposição, a adequação de uma
conduta da vida real a um tipo legal de crime”.
Eugenio Raúl Zaffaroni
aponta que tipo é a fórmula que descreve a conduta de “matar alguém”, e a
tipicidade é a característica da subsunção do tipo. È exemplo do sujeito que
mata alguém com o disparo de cinco tiros causando-lhe a morte. Portanto essa
conduta é típica, já que possui as especificidades da tipicidade.
As causas que excluem a
tipicidade são: o princípio da insignificância, o da adequação social e o erro
de tipo.
Elemento Antijuridicidade
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni,
a antijuridicidade ou ilicitude não surge do Direito Penal, mas provém de toda
a ordem jurídica. Aquilo que é contrário a norma pode ser paralisado por uma
permissão que é capaz de aparecer em qualquer área do direito.
Desta forma Eugenio Raúl
Zaffaroni elucida
que:
A conduta, como caráter genérico do delito, cumpre
função de alicerce dentro de sua estrutura teórica, a qual levada à análise dos
casos particulares traduz-se em uma
função de seleção prévia. Assim, através dela, desde o começo da análise
são descartados alguns fatos que não são conduta, e por cuja tipicidade resultaria
absurdo interrogar-se, já que se sabe que o tipo traduz uma proibição e o
direito só pode proibir condutas.
Por isso, torna-se relevante
estudar primeiro a conduta e depois as suas causas de ausência, já que serve de
alicerce para a análise dos delitos penais. Ela incide como primeiro filtro na
teoria estratificada ou analítica de crime.
Mas o que quer dizer com primeiro
filtro? É um primeiro passo a se considerar no conceito analítico de crime,
pois dentro da definição de que se tem, separam-se acontecimentos que não
propiciam o mínimo exigido para se existir um crime.
Portanto, é de suma importância
se verificar a existência do elemento mínimo que configura as ações ou omissões
estabelecidas pelo comportamento humano, porque somente aquelas que sejam
relevantes é que interessarão ao Direito Penal.
Contudo sabe-se que não basta
apenas a conduta, existem outros elementos necessários para se verificar a
existência do crime. Isso significa que são utilizados outros meios que servem
de filtragens na análise do crime.
Fábio André Guaragni
comenta que é um “autêntico método de
trabalho consistente na apreciação escalonada dos elementos do crime”.
Primeiramente passa-se pela
conduta, depois pela tipicidade, antijuridicidade e por último a culpabilidade.
Cada momento que constitui na
definição do crime deve ser visto por “etapas isoladas” e quando verificado
esse fenômeno é que se poderá passar por uma nova fase seguinte até chegar ao
final, para que se revele o crime.
Continuando, o mesmo autor defende
que é tal a importância ao elemento conduta, que aflige também o trabalho do
legislador que:
...ao elaborar uma novatio legis incriminadora, tem
diante de si um limite intransponível,
porquanto só poderá descrever in thesiuma conduta humana tomando por base a
estrutura conceitual que lhe seja dada (ou seja, a concepção do injusto
jurídico-penal, que, agregado a culpabilidade do agente, conforma os requisitos
essenciais do crime).
As excludentes da conduta humana no contexto
finalista de ação
Inicialmente, parafraseando o professor César Roberto Bitencourt, na
obra Tratado de Direito Penal, vol. 1, Editora Saraiva, 8ª Edição, ano 2004,
páginas 151 a 237:
“A simples vontade de
deliquir não é punível, se não for seguida de um comportamento externo. Nem
mesmo o fato de outras pessoas tomarem conhecimento da vontade criminosa será
suficiente para torná-la punível. É necessário que o agente, pelo menos, inicie
a execução da ação que pretende realizar.
Do conceito de ação e de omissão devem ficar fora todos os movimentos
corporais ou atitudes passivas que careçam de relevância ao Direito Penal, para
que, assim, possam cumprir a função limitadora exigida pela dogmática
jurídico-penal. Quando o movimento corporal do agente não for orientado pela
consciência e vontade não se pode falar em ação. No entanto, não se pode perder
de vista que, como lembrava Biagio Petrocelli, o processo volitivo, no
quotidiano, aparece “muitas vezes abreviado, ou pela potência impulsiva do
estímulo, ou por uma particular intensidade e segurança da deliberação”, ou,
ainda, “eliminado pelo hábito, vinculando diretamente a ação à sua idéia”.
Há ausência de ação, segunda a doutrina dominante, nos seguintes casos:
A coação física irresistível
No tocante à coação física irresistível, ou vis absoluta, não há como considerar- se
existente uma guiada por um fim. O coato
( ou coagido) não sobredetermina o curso causal a partir de um fim. Ao
contrário, serve como instrumento à disposição do coator. Este, sim, tem o
controle do curso causal, na medida em que aplica força física sobre o coato e,
com isso, logra êxito na obtenção de um fim qualquer. Na situação apontada, em
que alguém (coagido) é empurrado contra uma vitrine por um coator, cuja
intenção é danificar a loja do inimigo, quem destrói coisa alheia móvel, na
forma do art. 163 do CP, é o coator. O
coagido funciona como massa física nas mãos do coator, sendo tão instrumental
quanto seria uma pedra que fosse atirada contra o obstáculo com o mesmo fim.
Daí dizer que, em relação ao coagido, não há conduta humana, do que se dessume
impossibilidade de adequação típica de seu papel, que é mera resultante da
conduta do coator. Quando a este, há conduta humana e autoria do crime de dano,
no exemplo laborado, classifica- se como imediata.
Na coação moral há vontade e, portanto, finalidade, que é o conteúdo da
vontade. O que não existe é liberdade na manifestação da vontade, como por
exemplo o gerente do banco que subtrai cosais alheias móveis em favor do
assaltante que o rende, colocando- lhe um colar e explosivos no pescoço e
ameaçando- o com o mecanismo detonador. Esta ausência de liberdade na vontade
não se traduz em inexistência da vontade, mas em existência de vontade não
censurável, de maneira que o coagido, nesta situação, posto ter praticado
conduta humana (atividade dirigida a um fim), pode não ser merecedor de
reproche, afastando- se a culpabilidade (hipótese da coação irresistível,
aventada no art. 22 CP, acima aludido).
Cumpre observar, ao final do cotejo, que a coação moral pode ser
exercida mediante violência física: v.g., o sujeito a quem vão sendo arrancados
tufos de cabelo, ou cuja pele é submetida a cortes longitudinais, para que
preencha um documento falso. O preenchimento do documento será uma conduta
humana, porém não se poderá exigir do agente conduta diversa, na forma do art.
22 do CP. O sujeito não é culpável pela conduta. Somente o coator, na hipótese,
responde pelo falso sendo hipótese de autoria mediata.
Ainda, não só a coação física irresistível afasta a conduta
humana, como também forças da natureza com o mesmo caráter de
irresistibilidade: imagina- se a quebra antecipada vitrine, contra o qual uma
pessoa é arremessada por um poderoso vendaval. A irresistibilidade, que
caracteriza força maior, neste caso, afasta também a própria conduta humana
(obviamente, tendo operado sobre o agente uma força da natureza, não há que se
falar de coação). Trata- se, no dizer de Zaffaroni, de uma força física irresistível é uma conduta, e se
deve investigar também sua tipicidade, ilicitude e culpabilidade para
determinar se há delito.
Os atos reflexos
São situações em que não há intermediação, por parte do
cérebro, entre o estimulo e o movimento motor que se lhe sucede. Leciona
Jescheck, “o movimento motor ou a falta dele são desencadeados de forma
imediata por um estimulo diretamente dirigido ao sistema nervoso”.
O ser humano responde a um estimulo
mediante atuação do sistema neuromotor obediente ao comando do cérebro. O
cérebro lê o estimulo e determina a resposta neuromotora.
Segundo o professor Cézar Roberto Bitencourt:
Movimentos reflexos
São atos reflexos,
puramente somáticos, aqueles em que o movimento corpóreo ou sua ausência é
determinado por estímulos dirigidos diretamente ao sistema nervoso. Nestes
casos, o estímulo exterior é recebido pelos centros sensores, que o transmitem
diretamente aos centros motores, sem intervenção da vontade, como ocorre, por
exemplo, em um ataque epilético. Com efeito, os atos reflexos não dependem da
vontade.
(...)
O conceito finalista de
ação já implica uma seleção das condutas humanas que podem ser objeto de
valoração pelo Direito Penal. Uma conduta não finalista – força irresistível,
movimentos reflexos e estados de inconsciência – não pode ser
jurídico-penalmente considerada como uma conduta humana. Enfim, o conceito de
ação, na concepção finalista, cumpre uma função limitadora, excluindo todo o
movimento corporal ou toda atividade passiva que não respondam ao conceito de
ação ou de omissão, que ficam excluídos do âmbito do Direito Penal”.
No caso dos atos reflexos, na há mediação cerebral. É o
caso do atleta que, sentado à beira do leito hospitalar, estimulado pelo toque
com martelo no joelho, efetuado por um médico, instantaneamente aplica um chute
na enfermeira, que estava de costas para o examinando, causando- lhe um leve
hematoma. Não há que se coagitar de conduta típica do crime de lesões leves,
porquanto sequer há conduta: se não mediação cerebral, não há que se falar de
uma finalidade a guiar a atividade do atleta.
Interessante é o exemplo trazido na obra de GUARAGNI,
onde: “amigos saíram para beber e, altas
horas da noite, no interior de um bar, um deles, em pé, inclina- se em direção
ao canto do balcão no intuito de pegar uma garrafa de vinho. Outro se aproxima
dele e, num gesto repentino dá- lhe forte aperto nos órgãos sexuais, a titulo
de pilhéria. Ato continuo, em movimento reflexo, a vitima da brincadeira,
provocando –lhe a queda e forte pancada na cabeça, pela colisão com o chão no
cimento, após o que fica momentos desacordado e sangramento na testa. Em
seguida, porém, recupera- se e é levado para casa, após negar- se a ir a um
hospital. Os amigos, pela manhã, descobrem que a esposa encontrara- o morto na
calçada, pouco além da fronte da casa, onde fora deixado. A reação corporal
diante da pressão nos órgãos sexuais deveu- se “ a um estimulo de um centro
sensorial a um motor gerador do movimento corporal”.
O caso é extremamente interessante porque há uma divisão
doutrinária tangente aos atos reflexos puros e aqueles que não tem esta
característica. Os primeiros não são controláveis pelo agente, jamais
caracterizando conduta humana, a exemplo do vomito os acessos de tosse. Os
demais, não puramente somáticos, podem ser contramovimentados, isto é uma
contração muscular pode evita- lós (caso do sujeito que, ao volante, espanta
uma mosca que repentinamente lhe toca levemente o nariz: trata- se de ato
reflexo, fulcrado na relação, sem mediação cerebral, entre estimulo nervoso e
reação motora, cuja realização, porém pode ser evitada pela contração muscular
orientada a evitar finalísticamente a reação motora). Tratar- se- ia de julgar
a possibilidade deste contramovimentado, os atos reflexos- independentemente do
duplo tratamento- não serem ações dentro do finalismo.
A coação física irresistível e os atos reflexos, de todo
modo, são situações absolutamente distintas de outras duas, que dentro do
finalismo, são consideradas condutas humanas. São hipóteses de ação em curto-
circuito e automatismos.
Atuação de animais
Conforme salienta ANA KERYMI SANTOS
destaca, “concorda Paulo César Busato no
sentido de que a doutrina, em geral, nega a existência de ação na atuação de
animais, por falta de consciência. Tal negação não se faz tendo em vista a
vontade ou a finalidade, mas no sentido de que nas atuações dos animais não há
existência de ataque a bens jurídicos”.
Somente será possível exigir o ataque a bens jurídicos daqueles que
conseguem reconhecer a existência deles. Não podendo compreender, os animais
estão impedidos de tomar uma decisão, v. g., como se os animais pudessem agir
com dolo ou com culpa, pela má escolha dos meios. Eles não podem ser submetidos
às regras comuns que determinam sentidos numa sociedade, pois são incapazes de
identificá-las.
Para que haja a possibilidade de se falar em ação é necessário que no
mínimo se tenha capacidade de demonstração de intenções, e que haja compreensão
dos efeitos que delas podem decorrer. Se os animais não conseguem mostrar suas
intenções, e nem conseguem compreender o significado social disso, não se
poderá falar em existência de ação ou omissão por parte deles.
Ações em curto-circuito
As ações em curto-circuito
são atividades humanas muito velozes, caracterizadas como reações incontidas do
agente, “ impulsivas ou explosivas”
(Muñoz Conde), ante um estimulo qualquer. O agente é movido por violenta
emoção, como no caso do sujeito que, cancelando a viagem de rotina fazer uma
romântica surpresa à esposa, surpreende- a nos lençóis com o jardineiro, em
pleno ato sexual. A reação violenta furiosa, de sacar a arma de fogo e atirar
repetidas vezes, levada a termo pelo marido traído, muito embora se forme em um
átimo, é um fazer guiado por um fim. Evidentemente não há, nestes caso, aquele
bem planejado passo a passo que caracteriza a antecipação biocibernética do
resultado, bem dividida em escolha do fim (1), eleição dos meios com
consideração de circunstancias concomitantes (2) e exteriorização do fazer (3).
Sustenta Stratenwerth, neste sentido: “Precisamente
no Direito Penal se encontraram múltiplos comportamentos quais um alto grau de
excitação afetiva ou impulsiva tem o efeito de reduzir a consciência das
situações em que se desenvolve obrar ou desnaturam o processo de formação da
vontade convertendo- o em um mero “curto- circuito” .
É comum dizer que nas hipóteses de ação de
curto-circuito, a velocidade da reação humana não permite contramotivação,
excluindo-se “as representações
contrarias”, não é
possível “pôr em movimento uma reação que
impeça incorrer naquela ação”. Todavia, dentro do finalismo, tais dados não
desvirtuam a existência da conduta, pois há finalidade , dirigida de modo
consciente embora passional.
Havendo conduta humana, as situações de
ação em curto- circuito em regra constituirão objeto de ulterior análise,
tocante à dosimetria da pena. Afinal, aos estímulos externos que provocam a
impetuosa e descontrolada reação por parte do sujeito ativo podem configurar
hipótese de menor censura, que reflete a dosimetria d apena, mediante
atenuantes (caso art. 65, III, c, do CP, sob a influência de violenta emoção”)
e minorantes ( art. 121§ 1º, e art. 129 §4º ambos do CP- “ sob domínio de
violenta emoção”).
No Código Penal brasileiro de 1890 levava à absolvição aquele que
houvesse cometido o crime sob grave perturbação dos sentidos.
Os automatismos
No concernente aos automatismos, a discussão sobre a existência de
conduta humana é de difícil soluça. Concebidos como produtos de treinamentos,
os automatismos são produtos de prévio condicionamento que o ser humano
realiza, sem que a atuação tenha que ser trazida ao plano da consciência “ as
ações voluntárias mais rápidas (Spigel).
O gesto de caminhar é o exemplo clássico: fruto de um antigo treinamento, torna
o homem condicionado à sua realização sem que para tanto lhe seja obrigatório
ter consciência de que esta caminhando. Daí Mezger, em antológica definição,
ter dito que os automatismos são condutas humanas que se formam abaixo do “
umbral da consciência”.
De fato, durante a caminhada pode o
sujeito estar pensando em como resolver dificuldades financeiras, ou conquistar
o amor de sua vizinha, sem absolutamente estar consciente de que caminha em
direção ao refeitório, após o soar da companhia anuncia o horário do almoço e a
interrupção do expediente em uma empresa. A caminhada é inconsciente, podendo
todavia, ser trazida ao plano da consciência. O homem que se recupera de um
grave acidente, nos exercícios fisioterápicos, v.g., traz o gesto da caminhada
a nível da consciência.
Os automatismos de maneira evidente no direito penal,
sobretudo quando se coloca em mira os crimes de transito, afinal dirigir é
composto de inúmeros automatismos. Produzidos pó intenso e antigo treino,
gestos como frenar diante de obstáculos repentinos, parar quando da mudança do
sinal para o vermelho, acionar o pisca- pisca momentos antes de cada curva são
exemplos de automatismos, ao frear bruscamente o veiculo diante de um cão que
atravessa a pista, do qual se percebe de repente, acaba por perder o controle
do veiculo e desgraçadamente mata a noiva que o acompanhava ao colidir com
poste. Há conduta humana no gesto produtor do evento da frenagem?
Stratenwerth apresenta, no entanto, uma sustentação
peculiar para o fato de tratar- se- aqui- de conduta humana. Afirma que os
automatismos diferem dos atos reflexos, e que esta diferença radica no conceito
finalista de conduta, havendo nos primeiros uma espécie de finalidade
inconsciente, pois a conduta pode ser trazida à luz da consciência.
Comportamentos inconscientes podem ser finalmente dirigidos, e só na medida em
que o sejam, é razoável incorporá-los ao conceito de ação como objeto possível
de valoração jurídico- penal.
Fazer final significa finalidade atualizada, e não
possibilidade de guiar- se por um fim a conduta que se realizou de modo
inconsciente.
O conceito finalista de conduta originário deixa a
desejar se a pretensão é de incluir os automatismos como formas de ação humana.
É de outra parte, também duvidosa a apelação de Stratewerth para a
possibilidade de resultar consciente a conduta humana é inegável que a
concepção finalista primeva de conduta humana é muito restritiva no focar- se
na finalidade do agente, a ponto de implicar uma exclusão das hipóteses de
automatismos como exemplos de conduta humana, tanto quanto caminhar em direção
a um local sem estar concentrado neste gesto, a saída apresentada por
Stratenwerth escapa aos limite ontológicos da teoria finalista, pois a
“possibilidade” de trazer- se à consciência um objeto que não está presente quando da conduta é uma constatação
que depende de um julgamento, isto é, operante em universo valorativo.
Há solução dentro do finalismo a exemplo do obstáculo na
pista de rodagem ( v.g., um animal), é de ser percebido que a ação do motorista
não pode ser identificada no frear, porem no dirigir do veiculo- situação em
que frear é apenas ato parcial, componente da ação final m sentido lato de
dirigir automotor para algum lugar. Assim, é de se considerar existente a
conduta humana de dirigir, guiada por um fim, e situar- se eventual
possibilidade de punição na má utilização dos meios- como o dirigir distraído,
que leva o agente a frear tarde demais- de modo que eventual
morte daí derivada possa ser lhe atribuída sob forma culposa.
Movimentos mecânicos repetidos
Os movimentos mecânicos repetidos como por exemplo
aqueles gestos realizados por operários em linha de produção, que realizam
movimentação intermitente de uma esteira rolante, por meio de pedais e, em dado
instante, deveria imobiliza-la para que sobre ela passe o engenheiro
responsável pelo equipamento, mas acaba por move-la, causando- lhe a queda e um
ferimento), por serem igualmente guiáveis pela vontade em plano consciente,
embora em regra desenvolvam sem necessidade disso ( o nível de consciência pode estar ocupado por outro objeto, como
operário que pensa no jogo de seu time a noite). Inserem- se no mesmo tipo de
raciocínio utilizado quanto ao automatismos. Aceita-los como condutas humanas
há duas saídas. A primeira consiste em manejar o conceito finalista de modo que
sejam obrigados também os casos em que a mera possibilidade de condução dos
fatores causais, segundo um fim trazido ao nível de consciência, baste para
configura-las. Esta solução é inadequada ante os pressupostos filosóficos e
ontológicos do finalismo. Situa- se em perceber cada ato repetitivo é, ao lado
dos demais atos, compositor de uma ação final de fabricar um componente
industrial numa linha de montagem qualquer (operando- se como o exemplo
antecipado), de modo que quebra o dever de cuidado aquele que continua a operar
o maquinário na presença de pessoas dentro da área fabril, quando tal circunstancia está a impor
condução diversa dos fatores causais do fazer final consistente em fabricar um
produto. É dizer, há uma finalidade (fabricar o produto) e o mau dos meios
(continuar a operar a esteira) leva à
produção do evento lesivo, atribuído a titulo culposo, de culpa consciente.
Estados de inconsciência
Os movimentos praticados durante o sono, são contrações
musculares, gesticulações derivadas de sonhos, comportamentos praticados sob
estado de sonambulismo,, não caracterizam conduta humana. Alguém que sonha
estar prestes a cobrar um pênalti e, por conta disso, desfere violento chute na
esposa que dorme virada para o lado contrario do leito. Não há conduta humana,
pois o fim que guiou o gesto- marcar gol- não atua no mundo físico real, mas
num universo onírico alheio à esfera de sentido da existência humana.
Atua sobestado de inconsciência a pessoa que pratica
injurias sob delírio febril, como sujeito que dirige impropérios à enfermeira,
e aquele que – por conta de convulsões
geradas por uma condição patológica qualquer, durante um estado de
inconsciência acaba por quebrar um rico ornamento de porcelana. A epilepsia
também pode levar a análoga situação, inexistindo ação humana.
Há casos em que a doença mental, como bem aponta
Zaffaroni, afasta a conduta humana – e não a imputabilidade, na forma do art.
26 do CP. É tão profunda a psicopatologia que os movimentos motores são
espasmos, sem qualquer controle por parte do cérebro, os espasmos produzirem a
quebra de um objeto, não há crime de dano por força de ausência de conduta
humana, já que a situação fica englobada dentre os casos de inconsciência.
A medida de segurança só está prevista como sanção, para
os casos de absolvição impropria, por imputabilidade. Dentro do sistema
analítico de crime, isto significa existência de conduta humana (fazer final,
no enfoque welzeliano) tipicidade objetiva e subjetiva (isto no caso de crimes
dolosos, de modo que o sujeito deverá conhecer e querer o evento objetivo-dolo
direto de primeiro grau) ilicitude e ausência de culpabilidade e ausência de
culpabilidade por incapacidade de compreensão do caráter ilícito da conduta
e/ou de autodeterminação segundo este entendimento (inimputabilidade). A contrario sensu, impossível impor a
medida de segurança se a absolvição é própria, ou seja, se não há crime porque
não há conduta humana.
A psicopatologia mais profunda, que em determinados casos
pode adotar o agente de maior periculosidade (dentro do discurso positivista
que deu matriz às medidas de segurança) não será objeto de controle estatal
voltado à prevenção especial.
A hipnose
Ser dominante a opinião da existência de conduta humana, negando possa
ser considerado sob estado de inconsciência o hipnotizado teoricamente não
esteja excluída a possibilidade de que o
hipnotizador cheque a dominar totalmente o hipnotizado, sobretudo se este é de
fraca constituição surgindo, neste caso, uma situação muito próxima da força irresistível.
A sustentação da existência de conduta humana, para
alguns, situa- se no fato de o hipnotizado jamais praticar condutas contrarias
ao seu caráter. Por exemplo, não matará mesmo que o hipnotizador apresente- lhe esta ordem, se tal tipo de conduta
contrariar sua índole.
“Era pacifica a
personalidade do agente, mas praticou o homicídio mediante hipnose, caso em há
conduta, pois teve que superar a barreira da personalidade”.
Não ser pode falar de inconsciência se os atos praticados
neste estado são, inclusive, objeto de registro mnemônico (daí o expediente de hipnose forense). A liberdade
de escolha do fim é problema a ser discutido na culpabilidade, já que o grau de
domínio do hipnotizador sobre o hipnotizado ode tolhê-lo quanto à capacidade de
agir de acordo com a norma.
A embriaguez
A embriaguez pode levar a absoluta ausência de conduta na
hipótese do estado comatoso. Já nos casos de embriaguez incompleta de primeira
fase (fase de euforia), ou completa de segunda fase (fase depressiva), são
situações em que há deliberação de finalidade: acaso esteja absolutamente
tolhida a dirigibilidade do curso causal, não há conduta humana, porem sendo
possível esta governabilidade, há conduta ( como no caso de andar em
ziguezague). A letra do art. 28, II do CP, que taxativamente afasta a isenção
de pena (leia- se a inculpação, ou o afastamento da culpabilidade) nas
hipóteses de crimes cometidos por agentes sob influência de embriaguez
voluntaria e culposa, numa redação, que pontuada pela adoção de um critério de
responsabilidade puramente objetiva,
faz tabula rasa da possibilidade, em alguns casos, a embriaguez levar à falta
de conduta humana ( ou seja, casos em que sequer se chegaria a analisar o
estrato da culpabilidade).
A problemática da Inconsciência Pré-Ordenada ou
Involuntariedade Procurada
Questão tormentosa é a da inconsciência pré-ordenada ou da
involutanriedade procurada. Tal situação ocorre quando um sujeito, querendo
praticar um ato lesivo, por qualquer motivo não consegue realizá-lo ou algo que
não queira fazê-lo conscientemente, acaba se submetendo a um estado prévio de
inconsciência. Explana Eugenio Raúl Zaffaroni, que esse é aquele indivíduo que
procura por um estado de incapacidade psíquica, para realizar uma conduta, que poderá
vir a ser típica dependendo das circunstâncias postas.
O exemplo que Fábio André Guaragni
fornece, é o da mãe que não tem coragem de matar o filho, mas dorme junto dele,
esperando que inconscientemente acabe sufocando-o. Se o matar será processada
por homicídio, mesmo que no exato momento da morte estivesse sem conduta.
Assim o autor faz menção à teoria da actio
libera in causa, em que se verifica o conhecimento e da vontade (dolo) no
início do elo causal (caso que a mãe decide em ir dormir para conseguir matar o
filho).
Eugenio Raúl Zaffaroni
interpreta que, nesses casos, a conduta de procurar estar em fase de
incapacidade é causa direta do resultado lesivo, pois o sujeito com o auxílio
“de seu corpo como se fosse uma máquina, pôs-se a isso. As soluções são as
mesmas para casos de indivíduos que se colocam sob o efeito de uma força física
irresistível.
Conclusão
O direito penal não pode ser afastado da política criminal adotada pelo
Estado, pois é ela que guiará o intérprete a saber qual é o contexto de
punibilidade da ação praticada pela pessoa. O estudo do direito penal deve ser
crítico e não divorciado da criminologia quanto às normas incriminadoras
criadas, para que o ordenamento jurídico adotado represente as regras
escolhidas pela sociedade para permitir um controle social, capaz de permitir
uma vida em coletividade. Os bens jurídicos protegidos devem ser essenciais
para um controle tão severo, senão devem ser tratados por outros ramos do
direito, tendo-se então um direito penal mínimo.
Segundo ALINE KERYMI SANTOS
“a teoria da ação significativa tem o
condão de demonstrar que o direito não pode ser estudado apenas teoricamente,
afastado da chamada política criminal. O direito penal deve se ater ao estudo
crítico da teoria e da aplicação prática”.
A autora continua: “Não é
essencial criar um conceito teórico de conduta que se adeque a todas as
situações do dia a dia, mas sim criar um entendimento da necessidade de
entender o significado que a ação praticada transmite ao meio social”.
A interpretação do significado é utilizada na prática para entender qual
era a finalidade do autor ao praticar a conduta, pois não é possível invadir o
seu íntimo, para saber o que pensava e o que desejava, restando ao jurista
interpretar o significado transmitido pelos gestos e fatos no contexto
existente. Essa teoria entende que o mais importante é compreender a ação
praticada dentro do contexto em que ocorre, interpretando a ação através de um
canal de comunicação, que é baseado nas regras de convivência social. Eles não
têm um apego exagerado em explicar a conduta ou a ação, mas sim de entendê-la,
pois é essa a utilidade do direito penal, compreender a ação praticada pelo
indivíduo dentro daquela sociedade e em determinada época.
O significado da ação pode variar de acordo com o contexto, por isso,
ela não pode ser estudada longe do meio e da comunicação transmitida.
Após a análise do conceito finalista de conduta/ação e adoção do
conceito significativo de ação proposto por Paulo Roberto Busato, haverá
exclusão da conduta humana nos casos de coação física irresistíveis (vis
absoluta); atuação de animais, salvo quando instrumento da vontade de quem os
porta; estados de inconsciência, salvo os casos de hipnose que são controversos
na doutrina;
Os movimentos reflexos, os automatismos e/ou as ações rotineiras que em
razão de uma aprendizagem baseada na repetição se faz automaticamente, como no
caso se apertar a embreagem de um carro, trocar de marcha, acelerar e arrancar
com o veículo, há grande divergência doutrinaria se estaríamos ou não diante de
uma situação excludente da conduta humana.
Ademais, para rememorar, as excludentes da conduta humana admitidas pela
doutrina e jurisprudência, assim como as que excluem a tipicidade penal (forma
e material) são:
a) Caso fortuito e força maior – exclui a conduta.
b) Hipnose – exclui a conduta.
c) Sonambulismo – exclui a conduta.
d) Movimento reflexo – exclui a conduta.
e) Coação física irresistível – aquela que exclui o controle dos
movimentos do corpo – um empurrão por exemplo. – exclui a conduta.
f) Erro de tipo inevitável, invencível, escusável – exclui tanto o dolo,
quanto a culpa – torna o fato atípico. Já o erro de tipo evitável, vencível ou
inescusável somente exclui a tipicidade dolosa, mantém, se previsto em lei, o
crime culposo.
g) Arrependimento eficaz e desistência voluntária – são excludentes de
tipicidade mediata da tentativa, permite que o agente seja punido pelo que ele
causou. Por exemplo: tinha o dolo de matar, iniciou os atos executórios,
desistiu e com isso não houve a morte. Não responde por tentativa de homicídio,
mas por qualquer resultado que a vitima tenha sofrido, como uma possível lesão
corporal.
h) Crime impossível – exclui a tentativa quando por ineficácia absoluta
do meio ou absoluta impropriedade do objeto o crime jamais se consumaria. Não
há qualquer punição.
i) Princípio da insignificância – embora o fato esteja formalmente
previsto em lei, não será típico materialmente, pois não houve lesão grave para
o bem jurídico tutelado. O fato é atípico.
A solução apontada pela doutrina portanto, é a de que se deve analisar
isoladamente cada caso para perquirir se o agente estava ou não diante de uma
situação em que o ato foi praticado por movimento reflexo, movimento
automatizado ou ação rotineira puros e capazes de excluir a responsabilidade
pelo ato. O contexto do fato é que guiará o julgador ou intérprete para dizer
se há ou não há conduta.
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2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 28.
JESCHECK, H.H>op. Cit.,p.297: no son accions los actos reflejos puramentes
somáticos, em los caules el movimento o la falta del mismo son desecadenados de
forma imediata por um estímul diretamente dirigido al sistema nervioso”.
BUSATO, Paulo César. Op.
cit. p. 225.
BUSATO, Paulo César cita
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Conde e Luis Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosch, 1984. p. 227.
BUSATO, Paulo César. Op.
cit. p. 225.
Não há
pacificidade doutrinária tocante ao que seriam as ações em curto- circuito.
Para Juarez Cirino do Santos (op. Cit., p.30), as ações em curto- circuito são
sinônimos de automatismos, enquanto a denominação “ reações instintivas de
afeto” é empregada para significar o que aqui denominamos ações em curto
circuito. Porém, nossa terminologia é consentânea com pensamento de
Stratenwerth (v. infra) e Valejjo (op. Cit.,p. 62) dentre outros.
MEZGER, E. Op. Cit., p.107: “... el llamado actuar impulsivo que tiene su
origen en um sucesso psíquico, com exclusión de las representaciones
contrarias, se convierte sin más, em acciones dirigidas a um fin. Estas
“acciones de corto cicuito” se realizam eludiendo la personalidade total, pero
no la concencia. Aquí exite um acción...”
Na
verdade, a legislação anterior a 1940 era muito criticada por isso, tendo a
doutrina enaltecido a redação do art. 24, I do CP, redação de 1940 (atual art. 28 I do CP, com mesma redação), a
exemplo de Ribeiro Pontes (Código Penal Brasileiro, p. 61-62: “ O que o dispositivo (...) visa- tudo o
indica- é a repressão severa dos decantados “ crime passionais”. O que a lei
tem em vista é a eliminação dos pretextos que tanta fama dão a advogados, réus
e vitimas. O que se pretende é o fechamento da válvula de proteção- que sem
descanso- tem feito voltar à sociedade pretensos perturbados por um estado que-
para os seus defensores- nada mais é que uma loucura passageira e invencível,
transtornadora de modo e qualquer entendimento”. A sistemática absolvição em
tema de crimes passionais contribui, de todo modo, para formar uma cultura
popular que até hoje marca a presença nos veredictos do Tribunal do Júri.
Apud
HIRSCH, H.J. Op. Cit., p. 39: “ Spiegel ha caracterizado acertadamente las
acciones automatizadas como – y he de aquí su ventaja para um conductor
experimentado- “las acciones voluntarias más rápidas”.
Apud
VALEJJO, M.J. Op. Cit.,p.67: “... los actos automáticos, “ que yambién se
desarollan por del msimo ato, éste há sido bajado, poco a poco, por debajo del
umbral de la conciencai. Tales asociaciones puden estar innatas (movimentos
intuitivos) o adquiridas, es decir, haber obtenido su mecanización mediante
acostumbramiento o ejercicio”.
GARCIA, B. Op. Cit., p. 351 “ O que há na hipótese ( do que atualmente é o art.
28 II do CP) é, pura e simplesmente, um caso de responsabilidade objetiva-
responsabilidade excepcionalmente sem culpabilidade, ou, pelo menos, sem aquele
grau de culpabilidade tido como relevante no sistema jurídico –
responsabilidade objetiva que os autores do Código de 1940 não querem, de forma
alguma confessar ter acolhido”. Atualmente. C.R Bitencourt (Manual..., cit.p.
315-317) faz eco às criticas de Basilei Garcia e reparos corretos à redação do
art. 28 do CP.