domingo, 30 de março de 2014

A pesquisa brasileira sobre o Estupro ......e a participação da vítima nesses delitos

Pesquisa divulgada nesta quinta-feira (27) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo, mostra que 58,5% dos entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Segundo o levantamento, 37,9% discordam totalmente (30,3%) ou parcialmente (7,6%) da afirmação – 3,6% se dizem neutros em relação à questão.
O estudo também demonstra que 65,1% concordam inteiramente (42,7%) ou parcialmente (22,4%) com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", enquanto 24% discordam totalmente, 8,4% discordam parcialmente e 2,5% se declaram neutros.
A pesquisa ouviu 3.810 pessoas entre maio e junho do ano passado em 212 cidades. Do total de entrevistados, 66,5% são mulheres. A assessoria do Ipea não informou qual o percentual de homens e de mulheres que opinaram especificamente em relação à questão do comportamento feminino.

Esta pesquisa demonstra que o brasileiro considera que a vítima, em determinados crimes, participa do crime ao criar ou fomentar o risco de ser vitimizada pelo criminoso.

Daí a necessidade de analisar a teoria da vitimologia baseada na autocolocação da vítima em risco

A autocolocação sob perigo existe nas circunstâncias em que alguém age de modo a estabelecer uma situação de perigo para si próprio ou se expõe a um perigo já ocorrente.
Deveras, conforme ensina o jurista W. FRISCH em sua obra, "haverá autocolocação sob perigo sempre que a vítima, consciente ou inconsciente, participe, com sua própria conduta, na realização do resultado juridicamente protegido ". (W. FRISH, Tipo Penal e Imputación Objetiva, Colex, Madrid, 1995).
Essa autocolocação da vítima em perigo pode existir posteriormente a uma conduta do partícipe ou simultaneamente a esta.
Convém ilustrar ainda, que a aludida teoria é bem trabalhada dentro da teoria da imputação objetiva e do princípio da confiança.
A sua importância se mostrou num caso concreto em que o Superior Tribunal de Justiça abordou expressamente a teoria da autocolocação em risco, retirando a responsabilidade atribuída a outrem - no caso, a Comissão de Formatura, já que a própria vítima teria contribuído diretamente no resultado de sua morte. Vejamos o aresto proferido pela aludida Corte de Justiça:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Afirmar na denúncia que"a vítima foi jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes, ocasionando seu óbito"não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal , uma vez que, segundo o referido dispositivo legal,"A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". 2. Mesmo que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização das condutas, quando se trata de delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a conduta tida por delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi apontado na peça acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina. 3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal. 4. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa. 5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal". (Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Habeas Corpus nº 46.525 - MT (2005/0127885-1).
Conclui-se, finalmente, que a autocolocação em risco - se observados os seus requisitos - opera como excludente do nexo causal, e por conseqüência, da responsabilidade criminal.

terça-feira, 25 de março de 2014

O que é a CIFRA NEGRA e a CIFRA DOURADA no Direito Penal?

A estatística criminal é uma grande ilusão, principalmente dentro do labelling approach, pois foi demonstrada a existência de dois dados que devem ser compreendidos, que são as noções de Cifra Negra e a Cifra Dourada da Criminalidade.

A Cifra Negra consiste na demonstração que o menor número de ocorrências conflitivas em uma sociedade chega ao conhecimento das autoridades públicas. Deste menor numero que chega ao conhecimento da policia, uma ínfima parcela deles chega ao conhecimento do judiciário, e desta ínfima parcela que chega o judiciário, uma pequeníssima parcela é que vai redundar em condenação.

Portanto, da realidade de situações conflitivas existentes na sociedade nós tomaremos como estudo estatístico calcado nas condenações criminais a menor parcela como realidade da sociedade, como dado estatístico da sociedade a ser dotado como verdade ou consolidação de uma realidade para fins de desenvolver uma idéia criminológica e a partir dai desenvolver uma política criminal subseqüente.

Aqui já uma falha, uma deficiência na Cifra Negra e teorias mais aprofundadas da corrente do labelling approach, como a criminologia critica, a radical que dizem que essa Cifra Negra não é simplesmente uma cifra negra neutra (alguns fatos são do conhecimento da sociedade, outros não), pois existe também uma interrogante, que é porque a autoridade policial se interessa mais por alguns fatos e não por outros.

Será que um furto cometido por uma pessoa normal desperta o mesmo interesse que um furto cometido por uma pessoa de alto nível social? Então além da estatística criminal ser parcial, existe um forte conteúdo de preconceito, pois a partir do momento que o crime praticado por um cidadão de alto nível social não vai despertar o interesse da autoridade no sentido de investigar ou punir este crime, e por outro lado se cometido por uma pessoa normal, quando se tiver a produção do resultado estatístico final o que se terá é que quem comete crime é a camada social mais pobre e a parir dai se constrói um raciocínio equivocado.

A Cifra Dourada é a idéia de que nós vamos ter um universo de crimes praticados por pessoas de alta condição financeira que é ignorado. Sutherland nos diz que o crime econômico não existe na sociedade.

Então, a estatística criminal deve ser vista com reservas, pois não é um dado absoluto.

Levando-se em consideração a cifra negra e a dourada da criminalidade, o dado estatístico não pode ser tomado como verdade absoluta que a ele se atribui por algumas correntes de pensamento.


segunda-feira, 24 de março de 2014

O que é interacionismo simbólico e o crime do colarinho branco?

O crime do colarinho branco, no campo da criminologia, foi definido inicialmente pelo criminalista norte-americano Edwin Sutherland como sendo "um crime cometido por uma pessoa respeitável, e de alta posição (status) social, no exercício de suas ocupações".1 Sutherland foi o proponente do Interacionismo simbólico e acreditava que o comportamento criminoso é aprendido através de relações interpessoais com outros criminosos. Portanto os crimes de colarinho branco se sobrepoem aos crimes corporativos graças às oportunidades encontradas, no mundo corporativo, para se cometer fraudes, suborno, uso de informações privilegiadas, peculato, crimes informáticos e contrafação, crimes esses que podem ser mais facilmente perpetrados por funcionários ou empresários engravatados, que usam colarinho branco.1 A expressão "white collar crimes" foi usada pela primeira vez em 1940 por Edwin Sutherland durante um discurso na American Sociological Association.
No Brasil esse termo define o ato delituoso cometido por uma pessoa de elevada respeitabilidade e posição sócio-econômicos e, muitas vezes, representa um abuso de confiança. Refere-se a um tipo de crime de difícil enquadramento em uma qualificação jurídica precisa. Em geral, é cometido sem violência, em situações comerciais, com considerável ganho financeiro. Os autores se utilizam de métodos sofisticados e de transações complexas, o que dificulta muito sua percepção e investigação. Foi definido pela Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 e na Lei n° 9.613 de 3 de março de 1998. Duas características são marcantes nos chamados "crimes do colarinho branco": a privilegiada posição social do autor e a estreita relação da atividade criminosa com sua profissão. Alguns casos ficaram famosos no Brasil, entre eles, o do banqueiro Salvatore Cacciola responsável pelo escândalo do banco Marka, do qual era controlador, e que fugiu para a Itália,seu país natal, graças a um habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do STF. Outro caso é o do empresário Pedro Paulo de Souza, ex-proprietário da falida construtora Encol que quebrou, deixando 45 mil mutuários sem casa. A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, objetivou combater crimes de colarinho branco.

Para aqueles que justificam o sentimento de vingança privada, justiça com as próprias mãos e que preso bom é preso morto com frase DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS DIREITOS segue


quinta-feira, 20 de março de 2014

Artigo: A vulnerabilidade do indivíduo frente ao sistema social vigente como circunstância atenuante da pena


A vulnerabilidade do indivíduo frente ao sistema social vigente como circunstância atenuante da pena

Rodrigo Murad do Prado
Doutorando em Direito Penal
Mestre em Acesso à Justiça e Direito Processual
Defensor Público do Estado de Minas Gerais

     
 RESUMO
O presente artigo tem por objetivo demonstrar que os indivíduos das classes sociais menos favorecidas não precisam ter o mesmo esforço para o cometimento de um delito em comparação aos indivíduos das classes sociais superiores. Há patente desequilíbrio no grau de reprovabilidade que deve recair sobre eles e, consequentemente, o juiz deve considerar tal circunstância para atenuar a pena valendo-se do disposto do art. 66 do Código Penal.


A sociedade brasileira atual vive uma crise social onde as classes sociais mais altas clamam modelos de política criminal punitivistas e se valem do sistema jurídico penal como maniqueísta e opressor das classes menos favorecidas.

O Direito Penal é utilizado como instrumento de segregação e cotrole, sendo opressor das classes menos favorecidas.

Os indivíduos hoje, são selecionados como criminosos por um sistema penal deslegitimado, subserviente a casta social superior. Essa seleção dá-se por estereótipos (cor da pele, vestimentas, adereços, corte de cabelo, trejeitos, residência, grupo em que está inserido e etc.). Por serem selecionados e por serem vulneráveis frente ao sistema social sua reprovabilidade deve ser diminuída se comparado ao criminoso do colarinho branco ou aquele membro da classe superior.

O filósofo prussiano Jean Paul Marat, desenvolveu um estudo sobre a situação dos miseráveis frente a Lei. Ele aduziu que a fonte da legitimidade da chamada obrigação de submeter-se às leis é frágil e desarrazoada.

Tal obrigação não pode atingir àqueles que são excluídos das vantagens da sociedade, arcando com todas as suas desvantagens, pois a sociedade não pode exigir que todas as pessoas obedeçam às leis, se não oferece pontos de partida igualitários a todas essas pessoas. Aqueles que são miserabilizados pela exclusão acabam retornando à sociedade natural, onde vigora a lei da selva, sendo compelidos, por forças instintivas, às luta pela sobrevivência, donde emerge o crime patrimonial. Qual a solução? Autorizar o roubo/furto? Não: proporcionar vida digna para todos, emprego ao pobres, possibilidade de acesso aos meios legítimos; só assim, oferecendo pontos de partida igualitários, é que a sociedade poderá exigir a obediência às leis.

O sociólogo Americano Edwind Sutherland desenvolveu a teria das subculturas criminais onde mostrou como a distribuição desigual do acesso aos meios legítimos para alcançar objetivos culturais das minorias desfavorecidas e a estratificação (divisão) de grupos sociais levaria a relativização dos valores de grupos menos favorecidos, pois o “mínimo ético” para estes é bem diferente do “mínimo ético” dos grupos detentores do poder. Tal entendimento demonstra a VULNERABILIDADE dos indivíduos das camadas carentes da sociedades frente ao sistema penal.

Alessandro Barrata, na clássica obra Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal[1], abordando a temática em questão, reza que:

"Se o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade democrática e igualitária seria inseparável da luta pela superação do sistema penal."

O professor Eugênio Raúl Zaffaroni[2] prega que a intervenção do estado penal deve ser mínima, pois estamos diante de uma sociedade dividia em castas sociais e, na casta menos favorecida, as pessoas são mais vulneráveis, razão pela qual a reprovabilidade deve ser reduzida proporcionalmente à desigualdade existente. O Direito Penal igualitário e que não propõe uma adequação a esta realidade criminológica e sociológica está deslegitimado!

Eugénio Raul Zaffaroni[3] ao dizer que “el poder punitivo siempre conservará su carácter irracional que deviene de su propia estrutura, de la carencia de utilidad y por otro la inevitable falla ética con que lo sella la selectividad”  demonstra como o sistema penal é seletivo e pune de forma materialmente desigual os pobres.

Na América Latina, vivemos um processo degenerado de deshumanização dos indivíduos mestiços e pobres. Esses são atingidos pela seletividade do sistema penal. Aglomeram-se formando um casta social, cliente do sistema opressor das agências de controle social formal (polícia, etc). O professor Zaffaroni[4], em interessante artigo, faz uma retrospectiva sobre este fenômeno:

El poder de la burguesía europea del siglo XIX fue generando una estética a su media. La verdad es que se fue delineando un estereotipo del pobre bueno (física y moralmente bueno por naturaleza) y otro del pobre malo (feo y amoral por naturaleza).
Todo lo que agredía a la burguesía era lo malo y todo lo malo era lo feo, por primitivo y salvaje. Tanto el pobre que agredía como el colonizado que se rebelaba eran salvajes, ambos bajo el signo del primitivismo. El enemigo es feo porque es primitivo o salvaje: ese fue el mensaje.
Lógicamente, eran feos los pobres porque estaban mal alimentados y en pauperrimas condiciones de higiene.
La fealdad del pobre era la que regía el estereotipo con el cual salían las perreras a dar caza a los enemigos de la burguesía y a enjaularlos en sus cárceles.
Bastaba con ir a los zoológicos humanos carcelarios y manicomiales para convencerse de eso: todos eran feos y malos, primitivos, lo mismo que los salvajes colonizados.

O significado político do controle social realizado pelo Direito Penal e pelo Sistema de Justiça Criminal aparece nas funções reais desse setor do Direito: a criminalização primária realizada pelo Direito Penal (definição legal de crimes e de penas) e a criminalização secundária realizada pelo sistema de Justiça Criminal (aplicação e execução de penas criminais) garantem a existência e a reprodução da realidade social desigual das sociedades contemporâneas[5].

O Sistema de Justiça Criminal realiza a função declarada de garantir uma ordem social justa, protegendo bens jurídicos gerais e, assim, promovendo o bem comum. Essa função declarada é legitimada pelo discurso oficial da teoria jurídica do crime, como critério de racionalidade construído com base na lei penal, e pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, fundado nas funções de retribuição de prevenção especial e de prevenção geral atribuídas à pena criminal.

Assim, mediante as definições de crimes e cominações de penas, o legislador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas da formação social, incriminando ações lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material, concentradas na criminalidade patrimonial comum, característica dessas classes e categorias sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: as definições de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência de reprodução dessas classes sociais. Em consequência, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal, os indivíduos pertencem às classes e aos grupos sociais subalternos, especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal.

O direito penal não atinge de forma incisiva os autores do crime do colarinho branco, a criminalidade econômica, a improbidade administrativa, crimes contra a ordem tributária, relações de consumo, mercado de capitais, meio ambiente etc., gerando uma sensação de impunidade entre aqueles que se arvoram na prática dos crimes e, indiretamente, na sociedade, que convive com a falácia de que o Direito Penal é igualitário. Na verdade, o Direito Penal é Simbólico.

Assim, a posição social dos sujeitos revela sua função determinante do resultado de condenação absolvição criminal no processo de criminalização: a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor. A criminalidade sistêmica econômica e financeira do autor pertencente aos grupos socais hegemônicos não produz consequências penais: não gera processos de criminalização, ou os processos de criminalização não geram consequências penais; ao contrario, a criminalidade individual violenta  ou fraudulenta de autor pertencente a segmentos sociais subalternos – como individuo socialmente vulnerável selecionado por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social – produz consequências penais: gera processos de criminalização, com consequências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho[6]


Sabe-se que o art. 66 do Código Penal assevera que

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,embora não prevista expressamente em lei.


O professor Celso Delmanto[7] assevera que:


Além das atenuantes explicitamente arroladas no art.65, este art.66 ainda prevê as chamadas circunstâncias atenuantes inominadas (ousem nome). Por elas, haverá atenuação da pena em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior á prática do crime, embora não prevista em lei de forma expressa. Assim, independentemente da época de sua ocorrência, a pena poderá ser atenuada por circunstância relevante. Exemplo: anos antes de cometer um crime grave, ainda não julgado, o acusado arriscou sua vida para salvar vítimas de um incêndio ou desastre; após o cometimento de homicídio culposo no trânsito, o agente passa a dedicar-se a difundir as regras de trânsito em escolas. O juiz pode considerar que a circunstância não tem relevância para atenuar a pena e deixar de diminuí-la. Todavia, não se trata de mero arbítrio do julgador. Assim, se a mesma circunstância inominada incide, identicamente, para dois acusados, não se pode atenuar a pena de um e recusá-la para outro. Apesar do verbo "poderá", trata-se de direito subjetivo do réu, que não lhe pode ser recusado quando a circunstância tem relevância para atenuar a pena.

Dessa forma, a vulnerabilidade pode ser considerada pelo magistrado para atenuar sua pena se esta situação mostrar-se evidente nos autos. Tal medida transforma o Direito Penal em um instrumento menos injusto e mais adequado à realidade social brasileiro.

Bibliografia

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 11ª ed., 2007.

CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Libertação. Pensamento criminológico, 10. Rio de Janeiro: Revan, 2005

ELBERT, Carlos Alberto. Novo Manual Básico de Criminologia. Tradução de Ney Fayet Júnior. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia radical. Curitiba: IPCP: Lumen Juris, 2006.

SÁ, Geraldo Ribeiro de.  A prisão dos excluídos. 1996.

SÁNCHEZ, Jesus Maria Silva. A Expansão do Direito Penal – Aspectos da Política Criminal nas Sociedades Pós Industriais. 2ª Ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2011.

WACQUANT, Loïc. PUNIR OS POBRES: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2ª ed. Col. Pensamento Criminológico. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
___________. Que hacer com la pena?. [online] Disponível na Internet via http://www.4shared.com/document/QvsNfM4G/Zaffaro- ni_Eugenio_Ral_-_Qu_Hac.htm. Arquivo capturado em 15 de maio de 2010.
___________; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Buenos Aires: EDIAR, 2000. 

____________, E. Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, 2ª edição, p. 33

ZAFFARONI apud ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima. Livraria do Advogado Editora, 2003, Porto Alegre. Pág. 39

ZAFFARONI. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2012.

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1303448-alberto-zacharias-toron-um-novo-rotulo.shtml, acesso em  02 de janeiro de 2014

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas. 1. Ed. 6. Reimp. Buenos Aires. Ediar, 2013, p. 137.



[1] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.
[2] Ob. Cit. p. 182 e 212.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general / Alejandro Slokur y Alejandro Alagiu - 2", ed. – Buenos Aires, Argentina, 2002, pág. 654.

[4] Zaffaroni, Eugenio Raul. Criminología: una aproximación desde el margen. Capítulo 5: Consolidación del saber criminológico racista-colonialista in JN Escritos Monográficos.

[5] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal, 2002, 3ª Edição. p. 175.
[6] SANTO, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal – parte geral, São Paulo:2011. Conceito Editoral. p. 7.
[7] DELMANTO, Celso Delmanto ET AL. Código Penal Comentado. 7. Ed. Atual. e ampl. – Rio de Janeiro:Renovar, 2007.

O que vem a ser a Tipicidade Conglobante?



Estimados companheiros de estudo do Direito Penal,


A tipicidade conglobante é tema recorrente nas provas de concursos públicos e exames da OAB. Lembro-me bem dos tempos de estudo em Belo Horizonte-MG onde tive o privilégio de ter aulas com o professor Dr. Rogério Greco e ser acompanhado na monitoria pela Dra. Ula Senra. Encontrei entre meus arquivos pessoais um artigo da Dra. Ula Senra sobre a tipicidade conglobante. Bom, segue ele abaixo. Bons estudos!





Tipicidade Conglobante
Ula Senra - 31.05.2004





O direito é um universo harmônico de normas que guardam, entre si, uma certa ordem e coerência. Caso contrário, haveria a guerra civil - uma guerra de todos contra todos -, e é exatamente isso que a ordem jurídica pretende e deve impedir.

É com base nesse entendimento que Eugenio Raúl Zaffaroni constrói a teoria da tipicidade conglobante.

A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, uma vez que pretende excluir do âmbito da tipicidade certas condutas que, pela doutrina tradicional, são tratadas como excludentes da ilicitude.

No caso de condutas em que a ordem normativa ordena ou fomenta, segundo Zaffaroni, não se fala em exclusão da ilicitude, mas de ausência de tipicidade conglobante. Por uma questão lógica, o tipo não pode proibir o que o direito ordena ou fomenta.

Dessa forma, nos casos de estrito cumprimento do dever legal que, tradicionalmente, excluem a ilicitude da conduta, estar-se-ia diante de atipicidade conglobante. Caso contrário, teríamos que considerar que o oficial de justiça que seqüestra uma coisa móvel comete furto justificado, que o médico que cumpre com o dever de denunciar uma doença contagiosa comete uma violação de segredo profissional justificada ou o policial que detém um sujeito por prisão em flagrante comete uma privação ilegal de liberdade justificada.

Nos casos de intervenção cirúrgica com fins terapêuticos, a conduta do médico é atípíca, por serem fomentadas pelo direito. Por intervenções com fim terapêutico devem ser entendidas aquelas que perseguem a conservação ou o restabelecimento da saúde, a prevenção de um dano maior ou a atenuação da dor. Certas intervenções cirúrgicas, como no caso mutilação, o médico é obrigado a pedir a autorização do paciente. Entretanto, sua falta acarreta apenas a responsabilidade administrativa, podendo-se atribuir a responsabilidade penal se configurar algum delito contra a liberdade individual. Porém, nunca pode ser responsabilizado por lesões corporais, porque o fim terapêutico exclui essas intervenções do âmbito de proibição do tipo de lesões.

Já nas intervenções cirúrgicas sem fins terapêuticos o tratamento é diverso. Essas ocorrem nos casos de cirurgia plástica ou extração de órgãos ou tecidos para serem transplantados em outra pessoa (o fim terapêutico diz respeito ao outro, mas não ao doador). Nesse caso, a conduta do médico é típica, mas justificada diante do consentimento e da adequação às normas regulamentares. Caso não haja consentimento do paciente, configura-se a conduta típica de lesões corporais dolosas.

Em relação às lesões desportivas, Zaffaroni considera que são conglobalmente atípicas, sempre que a conduta tenha ocorrido dentro da prática regulamentar do esporte, perdendo a atipicidade conglobante e adquirindo tipicidade penal no caso de violação dos regulamentos.

Data venia, "ouso" discordar do tratamento dado às lesões desportivas por Zaffaroni. Não me parece, ao contrário do que ele afirma, que a ordem jurídica ordene ou fomente esportes como o boxe, por exemplo. Entendo que tais esportes são tolerados pela ordem jurídica e devem, portanto, ser tratados como usualmente o fazem a doutrina e jurisprudência.

Em suma, as atividades em que a ordem jurídica ordena ou fomenta são resolvidas no âmbito da atipicidade conglobante. Já as condutas permitidas ou simplesmente toleradas são causas de exclusão da ilicitude. Nos casos de atividades perigosas, por exemplo, devem ser distinguidas as atividades fomentadas e as permitidas. A circulação de veículos automotores, que é fomentada pela ordem normativa e regulamentada, não pode ser considerada da mesma forma que outras atividades, como a instalação de uma fábrica de explosivos, que o direito apenas permite.

Por fim, a tipicidade penal é a conjugação da tipicidade legal e da tipicidade conglobante.

A tipicidade legal é a subsunção (adequação) da conduta ao tipo penal previsto em lei.

A tipicidade conglobante é a antinormatividade aliada à tipicidade material.

A tipicidade material significa que não basta que a conduta do agente se amolde ao tipo legal. É preciso que lesione ou coloque em risco bens jurídicos penalmente relevantes.

Aliás, é sempre importante lembrar que uma das funções precípuas do direito penal é a proteção de bens jurídicos tutelados pela norma criminal.

Em termos jurisprudenciais, ainda é tímido o reconhecimento da tipicidade conglobante. Como se pode observar nos acórdãos citados, somente se reconhece a atipicidade conglobante nos casos de falta de tipicidade material, mais precisamente em face do Princípio da Insignificância.
Source:


REsp 457679 / RS; 2002/0091098-7

Relator : Min. Felix Fischer

Penal. Recurso Especial. Apropriação Indébita de Contribuição Previdenciária. Princípio da Insignificância. Prescrição Retroativa.

I - O princípio da insignificância como causa de atipicidade conglobante, afetando a tipicidade penal, diz com o ínfimo, o  manifestamente irrelevante em sede de ofensa ao bem jurídico protegido. O referencial deve ser calcado em norma que não seja meramente administrativa - ou ainda, interna corporis - e provisória.
II - Julgada procedente a ação penal, é de se reconhecer a extinção da punibilidade quando decorrido o prazo prescricional entre a data do julgamento do recurso e o recebimento da exordial, visto que, na instância comum, as decisões foram absolutórias.
Recurso provido e julgada extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa.

terça-feira, 11 de março de 2014

Sociedade excludente

Pessoal,

A colega Nayara nos brinda com uma contribuição: A Veja dá a notícia on-line que demonstra como o sistema penal é SELETIVO e EXCLUDENTE. Divide a sociedade em CASTAS e pune o que é "feio" e estranho aos membros da classe dominante.

http://vejasp.abril.com.br/materia/roubo-bicicleta-campos-eliseos-sem-nota-fiscal

O 3º Distrito Policial, em Campos Elíseos, adota há 45 dias uma nova tática para combater roubo e furto de bicicletas e celulares na capital: passou a apreender as bikes de ciclistas que não portarem a nota fiscal do veículo. Desde então, cerca de vinte já foram recolhidas nas ruas da região.

O delegado-titular Arariboia Fusita Tavares afirma que sua equipe usa os "anos de experiência" como critério para definir quais "suspeitos" serão abordados. "Não existe matemática nesse caso. Com 28 anos de carreira, eu sei reconhecer quem deve ser parado ou não. E meus policiais também", diz. Ele enumera algumas pistas: “estar malvestido", "com dentição podre", "cara de presidiário", "tatuagem de cadeia", "dedos amarelados de quem fuma muita maconha ou crack", "o vocabulário" e o fato de "o cara ser desocupado". "Ninguém malvestido vai andar com um Rolex", associa.

+ Ciclistas viram alvo de assaltantes na capital

+ Uso de bicicletas pelos paulistanos sobe apenas 7% em cinco anos; de táxi, 55%

Uma vez apreendida a bicicleta, uma investigação é aberta e o suspeito precisa comprovar sua inocência, seja com a apresentação da nota fiscal, fotos ou possíveis indicativos de uma compra legal do veículo ou de suas peças. O crime de receptação também é levado em consideração na análise de cada caso.

Quem teve a bike roubada ou furtada pode comparecer à delegacia. Lá, é preciso apresentar o boletim de ocorrência registrado na ocasião para retirar o pertence. Não é preciso mostrar a nota fiscal, mas dar indícios de que é o dono - apresentando fotos ou citando riscos característicos, por exemplo.

+ Bandidos usam drone para entregar cocaína em presídio do interior

+ Ação de moradores ajuda a revitalizar trecho degradado da Cruzeiro do Sul

A maior parte dos modelos apanhados pela polícia é simples, mas há marcas visadas, como Scott, Giant e Specialized.

Para auxiliar a localizar os verdadeiros donos, a polícia utiliza também o site Bicicletas Roubadas, no qual vítimas podem se cadastrar. Há dois investigadores recrutados para cuidar exclusivamente deste tipo de caso.

Fusita afirma que a ação tem ajudado a diminuir o número de roubos de celulares feitos por assaltantes sobre duas rodas.

Colaborou Juliene Moretti

sexta-feira, 7 de março de 2014

Cárcere

O cárcere expurga o criminoso como um ser repugnante e, ao mesmo tempo, promete adestrar o deliquente para conveniência de um sistema político que é subserviente à casta abastada

quinta-feira, 6 de março de 2014

O encarceramento não significa somente suplício para o corpo, mas também um flagelo para alma. - Rodrigo Murad do Prado
http://www.criminologiaedireitopenal.blogspot.com.br/