O delito de feminicídio
Rodrigo Murad do Prado
Mestre em Acesso à Justiça e Direito
Processual
Pós-graduado em Criminologia,
Política Criminal e Segurança Pública
Pós-graduado em Direito Privado
Aluno regular do curso de Doutorado
em Direito Penal da UBA – Buenos Aires
Professor universitário
Defensor Público do Estado de Minas
Gerais
Na data hoje, 10/03/2015, entra em vigor a Lei Federal 13.104/2015,
que altera o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) para criar
a qualificadora consistente na prática de homicídio quando praticado contra
mulher por razões da condição de sexo feminino e, ainda, para incluir no rol
constante do art. 1º da lei 8.072/90 tal qualificadora, a ponto de torná-la,
também, crime hediondo. A pena prevista para tal conduta é a de reclusão de 12
a 30 anos.
O referido diploma legal incluiu a letra A ao §2º do art. 121 que,
com a natureza jurídica de norma penal explicativa, atendente ao princípio da
legalidade estrita, especifica quais seriam as razões da prática do delito que
o tornariam qualificado quando praticado. Delimitou que se considera que há
razões de condição de sexo feminino no homicídio quando há envolvimento de
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de
mulher.
A nova lei também cria o §7º no art. 121, o qual diz respeito à
causa de aumento de pena de 1/3 à metade quando o crime é praticado durante a
gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou contra pessoa menor de
14 anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência. Giza, também, que há
tal aumento quando o delito é praticado na presença de descente ou de
ascendente da vítima. Tratam-se de majorantes (causas especiais de aumento de
pena) específicas ao delito de feminicídio e que não podem ser aplicadas às demais
qualificadoras, até, porque, com relação às vítimas menores de 14 anos e
maiores de 60 já existe expresso, no art. 121, §4º, tal previsão.
Inova a lei ao tratar especificamente da causa de aumento de pena
de 1/3 à metade quando o feminicídio é praticado contra pessoa com deficiência
como, também, quando praticado na presença de descendentes ou ascendentes da
vítima. Vejamos:
§ 7o A
pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for
praticado:
I -
durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II -
contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência;
III -
na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR
Como noções básicas, o delito de homicídio consiste na eliminação
da vida de uma pessoa praticada por outra. A divisão legal adotada pelo legislador foi a de que o art. 121 do CP
apresenta as seguintes figuras de homicídio: simples (art.121, caput),
privilegiado (§1º), qualificado (§2º), hipóteses de feminicídio – especial fim
de agir – (§2º -A), culposo simples (§
3º) culposo qualificado (§4º); homicídio
perdoável (§5º) aplicável ao homicídio culposo, causa de aumento de pena quando
o crime for praticado por milícia privada ou grupo de extermínio (§6º) e, por
fim, a causa de aumento de pena específica ao feminicídio (§7º).
O objeto jurídico é a preservação da
vida humana. O sujeito ativo do delito é qualquer pessoal, tornando o crime
classificável como comum. Destarte, com relação ao faminicídio, surge um
sujeito passivo especial, ou seja, a vítima deve ser pessoa do sexo feminino.
Com relação ao sujeito passivo, no passado, a maioria da doutrina considerava
que a vida principia no início do parto, com o rompimento do saco
amniótico, como lembram ROCHA GUASTINI e WILSON NINNO, bastava que o sujeito
passivo estivesse vivo, sem dependência de sua menor ou maior vitalidade (Código
Penal — Interpretação Jurisprudencial, 1980, v. II, p. 106). Antigamente,
quando o delito fosse praticado antes do início do parto, tínhamos o crime de aborto,
pois a vida intrauterina tem proteção específica, incidindo o delito de aborto.
Destarte, há posicionamento divergente e
moderno que, ao argumento de que passou a acompanhar, ainda que a certa distância,
a evolução da medicina, tem considerada “vida” para fins de proteção penal e
incidência específica do art. 121 do CP, o feto quando a gestante dá início aos
trabalhos de parto, ou seja, com o início das primeiras contrações. Tal
entendimento é encontrado na obra dos autores Cléber Masson e José Henrique
Pierangelli.
Com relação ao tipo objetivo, pode o homicídio ser praticado por qualquer meio de execução (crime de forma livre),direto ou indireto, tanto por ação como por uma conduta negativa (omissão), lembrando-se, quanto a esta, ser necessário que o agente tenha o dever jurídico de
impedir a morte da vítima (CP, art. 13, § 22). O Nexo de causalidade está
presente quando ficar demonstrado que o resultado morte ocorrera com a conduta
empregada pelo sujeito ativo.
A classificação doutrinária passa a contar com a ressalva
decorrente da alteração legislativa do fiminicídio, em que o sujeito passivo
passa a ser a mulher. Em geral, o delito, na forma simples e qualificada é crime
comum quanto ao sujeito, doloso ou culposo, de forma livre, instantânea,
material, de conduta e resultado, devendo-se lembrar da necessidade do exame de
corpo de delito (CPP, art. 158).
O tipo subjetivo envolve o dolo (vontade livre e consciente de
matar alguém), tanto direto como eventual. Na corrente tradicional é o
"dolo genérico". Há especial fim de agir quando presentes as razões
constantes do parágrafo 7º, a saber:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
O delito se consuma com o evento morte (crime instantâneo de
efeitos permanentes). A morte ocorre com a cessação do funcionamento cerebral,
circulatório e respiratório. Registre-se que o art. 32 da Lei nº 29.434/97
(Transplantes) prevê que a retirada post
mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica.
Admite-se tentativa desde que seja inequívoca a intenção de matar vez que, o propósito homicida deve
ser averiguado, em cada caso concreto, pelos pressupostos e circunstâncias do
fato. A tentativa pode ser imperfeita ou perfeita, também chamada crime falho.
O elemento subjetivo referente à incidência da qualificadora do
inciso VI do §2º do art. 121, nomeadora do delito de feminicídio, é o dolo
específico, ou seja, a vontade livre e consciente voltada à finalidade de matar
a vítima por razões de violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação da condições de mulher.
A incidência da qualificadora inserida pela Lei 13.104/2015 passou
a constar do rol dos crimes hediondos vez que, a lei, também alterou o disposto
do art. 1º, inciso I, da lei 8.072/90 para nele constar o inciso VI.
Ao criar o delito de feminicídio e prever que tal conduta é
hedionda, aquele que vier a incidir nas penas nele cominadas não terá direito à
anistia e graça (art. 5º, XLII, da CRFB/1988) e a progressão do regime
prisional fica condicionada ao cumprimento de 2/5 da pena se o condenado é
primário ou 3/5 se é ele reincidente, nos exatos termos do disposto do art. 2º,
§2º da Lei 8.072/90.
Louvável a tipificação específica do delito de feminicídio, ao
menos assim há que se fazer presentes estatísticas criminais voltadas à adoção
de uma política criminal de segurança pública condizente com a real necessidade
das mulheres vitimizadas.