terça-feira, 10 de março de 2015

Lei 13.104/2015 - crime de feminicídio


O delito de feminicídio
Rodrigo Murad do Prado
Mestre em Acesso à Justiça e Direito Processual
Pós-graduado em Criminologia, Política Criminal e Segurança Pública
Pós-graduado em Direito Privado
Aluno regular do curso de Doutorado em Direito Penal da UBA – Buenos Aires
Professor universitário
Defensor Público do Estado de Minas Gerais


Na data hoje, 10/03/2015, entra em vigor a Lei Federal 13.104/2015, que altera o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) para criar a qualificadora consistente na prática de homicídio quando praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino e, ainda, para incluir no rol constante do art. 1º da lei 8.072/90 tal qualificadora, a ponto de torná-la, também, crime hediondo. A pena prevista para tal conduta é a de reclusão de 12 a 30 anos.
O referido diploma legal incluiu a letra A ao §2º do art. 121 que, com a natureza jurídica de norma penal explicativa, atendente ao princípio da legalidade estrita, especifica quais seriam as razões da prática do delito que o tornariam qualificado quando praticado. Delimitou que se considera que há razões de condição de sexo feminino no homicídio quando há envolvimento de violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A nova lei também cria o §7º no art. 121, o qual diz respeito à causa de aumento de pena de 1/3 à metade quando o crime é praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência. Giza, também, que há tal aumento quando o delito é praticado na presença de descente ou de ascendente da vítima. Tratam-se de majorantes (causas especiais de aumento de pena) específicas ao delito de feminicídio e que não podem ser aplicadas às demais qualificadoras, até, porque, com relação às vítimas menores de 14 anos e maiores de 60 já existe expresso, no art. 121, §4º, tal previsão.
Inova a lei ao tratar especificamente da causa de aumento de pena de 1/3 à metade quando o feminicídio é praticado contra pessoa com deficiência como, também, quando praticado na presença de descendentes ou ascendentes da vítima. Vejamos:
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR

Como noções básicas, o delito de homicídio consiste na eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. A divisão legal adotada pelo legislador foi a de que o art. 121 do CP apresenta as seguintes figuras de homicídio: simples (art.121, caput), privilegiado (§1º), qualificado (§2º), hipóteses de feminicídio – especial fim de agir – (§2º -A),  culposo simples (§ 3º)  culposo qualificado (§4º); homicídio perdoável (§5º) aplicável ao homicídio culposo, causa de aumento de pena quando o crime for praticado por milícia privada ou grupo de extermínio (§6º) e, por fim, a causa de aumento de pena específica ao feminicídio (§7º).
O objeto jurídico é a preservação da vida humana. O sujeito ativo do delito é qualquer pessoal, tornando o crime classificável como comum. Destarte, com relação ao faminicídio, surge um sujeito passivo especial, ou seja, a vítima deve ser pessoa do sexo feminino.
Com relação ao sujeito passivo, no passado, a maioria da doutrina considerava que a vida principia no início do parto, com o rompimento do saco amniótico, como lembram ROCHA GUASTINI e WILSON NINNO, bastava que o sujeito passivo estivesse vivo, sem dependência de sua menor ou maior vitalidade (Código Penal — Interpretação Jurisprudencial, 1980, v. II, p. 106). Antigamente, quando o delito fosse praticado antes do início do parto, tínhamos o crime de aborto, pois a vida intrauterina tem proteção específica, incidindo o delito de aborto.  Destarte, há posicionamento divergente e moderno que, ao argumento de que passou a acompanhar, ainda que a certa distância, a evolução da medicina, tem considerada “vida” para fins de proteção penal e incidência específica do art. 121 do CP, o feto quando a gestante dá início aos trabalhos de parto, ou seja, com o início das primeiras contrações. Tal entendimento é encontrado na obra dos autores Cléber Masson e José Henrique Pierangelli.
Com relação ao tipo objetivo, pode o homicídio ser praticado por qualquer meio de execução (crime de forma livre),direto ou indireto, tanto por ação como por uma conduta negativa (omissão), lembrando-se, quanto a esta, ser necessário que o agente tenha o dever jurídico de impedir a morte da vítima (CP, art. 13, § 22). O Nexo de causalidade está presente quando ficar demonstrado que o resultado morte ocorrera com a conduta empregada pelo sujeito ativo.
A classificação doutrinária passa a contar com a ressalva decorrente da alteração legislativa do fiminicídio, em que o sujeito passivo passa a ser a mulher. Em geral, o delito, na forma simples e qualificada é crime comum quanto ao sujeito, doloso ou culposo, de forma livre, instantânea, material, de conduta e resultado, devendo-se lembrar da necessidade do exame de corpo de delito (CPP, art. 158).
O tipo subjetivo envolve o dolo (vontade livre e consciente de matar alguém), tanto direto como eventual. Na corrente tradicional é o "dolo genérico". Há especial fim de agir quando presentes as razões constantes do parágrafo 7º, a saber:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

O delito se consuma com o evento morte (crime instantâneo de efeitos permanentes). A morte ocorre com a cessação do funcionamento cerebral, circulatório e respiratório. Registre-se que o art. 32 da Lei nº 29.434/97 (Transplantes) prevê que a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica.
Admite-se tentativa desde que seja inequívoca a intenção de matar vez que, o propósito homicida deve ser averiguado, em cada caso concreto, pelos pressupostos e circunstâncias do fato. A tentativa pode ser imperfeita ou perfeita, também chamada crime falho.
O elemento subjetivo referente à incidência da qualificadora do inciso VI do §2º do art. 121, nomeadora do delito de feminicídio, é o dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente voltada à finalidade de matar a vítima por razões de violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação da condições de mulher.
A incidência da qualificadora inserida pela Lei 13.104/2015 passou a constar do rol dos crimes hediondos vez que, a lei, também alterou o disposto do art. 1º, inciso I, da lei 8.072/90 para nele constar o inciso VI.
Ao criar o delito de feminicídio e prever que tal conduta é hedionda, aquele que vier a incidir nas penas nele cominadas não terá direito à anistia e graça (art. 5º, XLII, da CRFB/1988) e a progressão do regime prisional fica condicionada ao cumprimento de 2/5 da pena se o condenado é primário ou 3/5 se é ele reincidente, nos exatos termos do disposto do art. 2º, §2º da Lei 8.072/90.
Louvável a tipificação específica do delito de feminicídio, ao menos assim há que se fazer presentes estatísticas criminais voltadas à adoção de uma política criminal de segurança pública condizente com a real necessidade das mulheres vitimizadas.
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