segunda-feira, 28 de abril de 2014

perseguição obssesiva .. bulling... stalking

Stalking - perseguição obsessiva

Marcos Henrique Caldeira Brant - Juiz de Direito da 11ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte Publicação: 24/05/2013

Stalking é uma palavra de origem inglesa derivada da tradução do verbo to stalk, que pode ser entendido como ficar à espreita, vigiar, espiar. E, no campo jurídico penal, significa perseguição obsessiva a uma pessoa a ponto de causar-lhe medo e ansiedade, ficando gravemente prejudicada em seu estilo de vida. O termo stalking começou a ser usado no final da década de 1980 para descrever a perseguição insistente a celebridades pelos seus fãs. Em 1990, nos Estados Unidos, inicialmente na Califórnia, a conduta foi criminalizada. Atualmente, vários países criminalizam esse tipo de conduta inoportuna. Altas são as estatísticas da ocorrência de stalking nos países desenvolvidos. Anualmente, na Inglaterra, cerca de 600 mil homens e 250 mil mulheres são vitimados.

O agente acometido pelo stalking tem uma conduta de assédio correspondendo a uma obsessiva perseguição ativa e sucessiva à vítima, sempre na busca incessante de manter-se próximo a esta, por motivos variados, como amor, desamor, vingança, ódio, brincadeira e inveja. Como exemplos das táticas de perseguição e meios executórios temos: chamadas no telefone móvel ou celular; espera na saída do trabalho ou residência; envio de presentes indesejados; encontros provocados; cartas; mensagens no celular; e-mail e outros meios inconvenientes de impor a presença refutada e agredir psicologicamente a vítima.

O stalking muito ocorre por meio da internet, caracterizando-se o que se chama de cyberstalking, com o envio de mensagens eletrônicas, recados, convites insistentes ou ofensas nas redes sociais. Em casos extremos, o stalking envolve a intimidação explícita da vítima com ameaças e ações violentas, como, por exemplo, ofensa ao patrimônio e até a integridade física.

Muito comum a ocorrência do stalking no caso de rompimento de um relacionamento amoroso em que o homem ou mulher irresignados, e movidos por sentimento de perda que transborda para o ódio, “patologia do apego”, promovem uma perseguição infernal ao ex.

A psicologia forense classifica os stalkers nas seguintes categorias: rejeitado, perseguidor, retardado, vingativo, erotomaníaco e sádico. As ações dos stalkers são vistas como perigosas em diferentes níveis, conforme o sentimento da vítima.

Pela atual legislação brasileira, o stalking configura contravenção de perturbação da tranquilidade, tipificada no artigo 65: “Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável. Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa”. Portanto, infração penal de menor potencial ofensivo, afeta ao Juizado Especial, mas com a possibilidade de aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha caso a perseguição esteja relacionada ao gênero feminino, prevalecendo as relações domésticas.

A proposta de reforma do Código Penal, em tramitação no Congresso Nacional, prevê criminalização do stalking, passando a ser infração penal de médio potencial ofensivo. Está inserido como tipo penal derivado do crime de ameaça.

Vejamos:

“Ameaça – Artigo 147 — Ameaçar alguém por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena – prisão de seis meses a dois anos.

Perseguição obsessiva ou insidiosa. §1º. Perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena — Prisão, de dois a seis anos, e multa.”

Mantida essa redação, o sujeito passivo será qualquer pessoa, homem ou mulher. Note que estarão protegidas a integridade física e psicológica da vítima. O tipo também é bastante amplo, pois prevê punição para aquele que “de qualquer forma” atuar para invadir ou perturbar a liberdade ou privacidade do ofendido. O sentimento de quem é perseguido em relação ao perseguidor é o que efetivamente categoriza o crime, que é de ação penal pública condicionada à representação. Tal previsão se faz necessária, haja vista caber à vítima a ponderação sobre os custos pessoais a serem enfrentados pelo processamento da ação penal, uma vez que, em regra, o agente provocador é pessoa de convívio próximo.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A vulnerabilidade e a coculpabilidade segundo o professor Eugenio Raul Zaffaroni


Em regra, há uma relação inversamente proporcional entre “poder” e “vulnerabilidade”.
Daí surge o “esforço pela vulnerabilidade”, ou, mais especificamente, “el esfuerzo personal del sujeto por alcanzar la situación concreta de vulnerabilidad”,58 que será o verdadeiro elemento definidor do grau de culpabilidade de cada agente. A relação entre “poder”, “vulnerabilidade”, “esforço”, “culpabilidade” e “reprovação” dá-se, como regra geral, da seguinte forma: quanto mais próxima do poder a pessoa encontra-se, menor é o seu estado de vulnerabilidade e maior será o esforço que terá de fazer para ser selecionada, sendo maior a sua culpabilidade, pois maior a reprovação de seu ato. Em sentido contrário, pode-se afirmar que quanto mais longe do poder e mais próximo do locus vulnerável está o indivíduo, mais vulnerável será e menor deverá ser o seu esforço para ser selecionado pelo poder punitivo, sendo menor a sua culpabilidade em razão da menor reprovação de seu ato. 
Esse esquema é legitimador do exercício judicial porque “ésa es la medida del esfuerzo que la persona realiza conspirando contra el próprio derecho penal, em cuanto a su cometido pacificador y reductor da violência.59 O esforço que o agente faz para chegar à posição de vulnerabilidade, além de ser contrário aos fins humanitários, legítimos e éticos do direito penal, é a contribuição pessoal do sujeito às pretensões legitimantes do poder punitivo invariavelmente deslegitimado.

 58 Tradução livre: o esforço pessoal do sujeito para alcançar a situação concreta de vulnerabilidade (ZAFFARONI; ALAGIA; SLOKAR (2002); ob. cit., p. 654).
59 Tradução livre: essa é a medida do esforço que a pessoa realiza conspirando contra o próprio direito penal, ou seja, contra a própria tarefa pacificadora e redutora da violência (ZAFFARONI; ALAGIA; SLOKAR (2002); ob. cit., p. 655).
60 ZAFFARONI (1999), op. cit., p. 266. Zaffaroni ainda alerta que “el enunciado de este principio no es reversible: del aserto de que, como requisito de mínima racionalidad, nadie puede ser penado si no ha obrado con cierto ámbito de autodeterminación em el momento del hecho, y de que nunca puede serlo en mayor medida que la indicada por este ámbito, no puede deducirce 

domingo, 6 de abril de 2014

Misérias e prisão

...à atrofia deliberada do Estado Social corresponde a hipertrofia distópica do Estado Penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e prosperidade insolente do outro. Loïc Wacquant - as prisões da misėrias

sexta-feira, 4 de abril de 2014

pra refletir segue esta imagem....



sobre a Rotina....

Segue um interessante texto que aborda a coreografia social pós-moderna, extraído da obra do professor Eugénio Raul Zaffaroni e interpretado por mim. Boa leitura.

 
A rotina é a principal engrenagem responsável pelo funcionamento da sociedade pós-industrial. Ela é composta por sete características essenciais: a) ela é introjetada; b) politicamente correta; c) premiada; d) crônica; e) repetitiva; f) escravizante e g) depressiva. A rotina é introjetada por ser uma exigência externa pois que, as pessoas recorrem à rotina espontaneamente. Caso a rotina viesse a depender de uma decisão individualizada para cada fragmento de seu todo, certamente seria esfacelada. Para que a rotina subsista à tentação de ser quebrada, ela precisa ser automatizada, internalizada, introjetada, de tal maneira que se torne algo natural. Não uma exigência externa, mas uma necessidade intrínseca. 

A rotina é politicamente correta pois todos acabam querendo-na. É politicamente correto ter uma rotina. Quem não a tem é malvisto, é tido como vagabundo. Quem acorda um dia num horário, outro, noutro, não tem rotina, não tem disciplina, não tem organização, está excluído da sociedade. E as pessoas buscam a todo custo ter rotina. A ideia ocidental de felicidade é vendida como produto da rotina. Como são felizes as pessoas que têm rotina!
Sobretudo são bonitas! Bem sucedidas! Elas fazem esporte, têm sorrisos brancos e refrescantes, são bem vestidas e .... felizes! A imagem da pessoa feliz é a imagem de quem tem uma rotina a ser obedecida. Mesmo as reclamações da rotina fazem bem, fazem parte da rotina, porque constituem uma válvula de escape necessária para aliviar a repetição dos dias e representam um importante mecanismo de manutenção da própria rotina. Reclamar da rotina é alimentar a sua perpetuação. Faz parte. Como é emblemático ver um executivo, depois de um dia exaustivo de trabalho, sair do escritório, com a gravata frouxa e o paletó amarfanhado, reclamando que "não aguenta mais a rotina". Ele tem orgulho de dizer isso: "não aguento mais a rotina". Ele diz isso como quem levanta um troféu.

A rotina é premiada. Quanto mais o sujeito se sumete à rotina, obedecendo cada milésimo de segundo de uma programação, sem se desviar da rota preestablecida, recebe mais prêmios. Claro que se trata de prêmios simbólicos. emblemas, insígnias, rótulos, etiquetas de lapela, que serão exibidas ostensivamente para os colegas e, sobretudo, para si próprio. Nada impede que a recompensa seja mais do que meramente simbólica, embora isto seja raro. De qualquer maneira, existe um estímulo à rotina, mediante a promessa de uma recompensa. Bancos, empresas, seminários, colégios, famílias, enfim, todas as instituições pós-industriais funcionam sob esta lógica. 

A rotina é crônica e progressiva. Começa no trabalho. Vai para a família. A rotina vai se alastrando por cada meandro da vida do indivíduo até que um dia o sujeito sente a necessidade imperiosa de submeter absolutamente todos os seus comportamentos sob a égide da rotina. Tudo precisa de rotina. O que não é rotina é inseguro, é pavoroso, dá medo, causa pânico. Não raro, os finais de semana passam de forma despercebida e, depois que passaram, remanesce a impressão de que nada foi feito, justamente porque o final de semana é a quebra da rotina, vai contra ela. 

O indivíduo passou a semana inteira fazendo todos os dias as mesmas coisas e, quando chega o tão cobiçado final de semana, fica sem saber exatamente o que fazer, como barata tonta. Nos finais de ano, ele percebe que, apesar de ter desejado as férias, aquilo é algo tão vago e impreciso que ele sente vontade de retornar à boa e velha rotina. Mas, num determinado momento, o indivíduo acaba sentindo a necessidade de submeter, inclusive, os finais de semana e as férias a uma rotina. Os restaurantes são os mesmos, os programas são os mesmos, as praias frequentadas são as mesmas. Tudo acaba sendo rotina. Inclusive aquilo que foi feito para ser a antirotina.

A rotina é repetitiva, seria pleonasmo dizer que rotina é algo repetidamente produzido. Na verdade, o que se pretende dizer é que a rotina não precisa de uma finalidade. É o culto da repetição pela repetição. Submeter-se a uma rotina é importante por si só, pelo simples e tão só fato de submeter-se a uma rotina, ainda que seja um ato desprovido de qualquer finalidade. Bater cartões, preencher formulários, girar catracas, bater carimbos, abrir portas, dizer bom dia, fechar portas, dizer  boa tarde, tudo isso faz parte de um ritual, de uma coreografia social, que se autoalimenta por si mesma. O sujeito vai ao escritório ainda que não tenha nada para fazer, porque tem a necessidade de riscar aquela tarefa de sua lista de afazeres diários. Vai ao restaurante, ainda que não tenha fome, porque faz parte de sua rotina ir ao restaurante. Assiste ao jornal televisivo, ainda que não tenha a mínima vontade de fazê-lo, porque sua rotina exige aquele comportamento.

A rotina é escravizante. Apesar de ser premiado, o sujeito que a ela submete vai ser, para sempre, alguém que se submete à rotina. E isso é um aspecto muito curioso da rotina. Uma das principais ambições de quem se submete a rotina é livrar-se dela. Mas, quando consegue, é a morte. A rotina fisga o sujeito com teias invisíveis de tal maneira que ele se torna escravo da rotina. E isso é bem verificável nos aposentados. 

O aposentado é aquele sujeito que passou a vida inteira se submetendo a uma rotina e, agora, que não precisa se submeter à rotina, em vez de se sentir livre, sente-se ABANDONADO.

Não é que ele se livrou da rotina. Foi a rotina que o abandonou. Ele foi cuspido, expelido, excretado, vomitado pela rotina.

Dessa forma, a rotina é depressiva pois que, ninguém consegue viver feliz na repetição!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O estrangulamento da classe média e a miséria subversiva governada através do sistema penal

O Brasil nas últimas duas décadas operou avanços econômicos e sociais inegáveis com a adoção de uma política assistencialista e protecionista dos então classificados como miseráveis.

Destarte, esses avanços foram pagos a preço de ouro. A classe média foi estrangulada. O poder econômico voltado para o consumo dos pobres aumentou em detrimento da diminuição do poder aquisitivo da classe média. 

Os integrantes da classe média dos anos 90 migraram para outras classes sociais. Uns para as classes que ascenderam em razão do modelo político econômico extremamente assistencialista. Outros, muito poucos, conseguiram galgar para a classe mais alta.

O que aconteceu com a antiga miséria? 

No livro cárcere e fábrica, DARIO MELOSSI e MASSIMO PAVARINI traçam um paralelo entre as duas instituições: o cárcere e a fábrica. Ambas subservientes ao regime político econômico capitalista. As prisões visam educar o subversivo social e punir o mal que causou, prometendo a ele uma vida melhor, a fábrica. A fábrica visa explorar a mão de obra do indivíduo que quer viver adequadamente na sociedade sob a ameaça da prisão.

Numa outra obra relevante para a criminologia crítica denominada Punição e Estrutura Social, os autores GEORG RUSCHE e OTTO KIRCHHEIME tratam das relações entre o crime e o meio social, a questão social como causa básica da quantidade de crimes, os métodos de punição e práticas penais. Abordam o nascimento das prisões, forma especificamente burguesa de punição, na passagem ao capitalismo. 

A antiga miséria, hoje pobreza, possui, como toda e qualquer sociedade, seus membros subversivos. No Brasil, os criminosos são em grande maioria membros do corpo social mais baixo. Pobres. 

O sistema penal (agências estatais de controle social, Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc.) voltam-se para a administração dos subversivos. A prisão é a forma de administração da atual pobreza. 

O sistema prisional não recupera e tampouco é capaz de reintroduzir o indivíduo no meio social adequadamente preparado. Ao contrário, o indivíduo retorna para a sociedade livre e nela novamente delinque, reincidindo.

A reincidência é a forma lógica de agir de todo egresso do sistema punitivo. 

Assim, o sistema prisional se retroalimente e segue administrando a pobreza em nome de um Estado ultra assistencialista. 

O problema que exsurge desse método decorre do fato de que, enquanto o sistema penal vai se retroalimentando pela reincidência, novos indivíduos cometem seu primeiro crime e a prisão vai ficando cada vez mais superlotada. O Estado vai investindo cada vez mais em segurança e construções de presídios. 

Até quando seguiremos nesse sistema autofágico?

Ainda chegará o dia de que teremos para cada indivíduo livre um prisioneiro?

O problema não está no crime e sim no sistema político econômico adotado.

 
http://www.criminologiaedireitopenal.blogspot.com.br/