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Artigo: A vulnerabilidade do indivíduo frente ao sistema social vigente como circunstância atenuante da pena


A vulnerabilidade do indivíduo frente ao sistema social vigente como circunstância atenuante da pena

Rodrigo Murad do Prado
aluno regular dos cursos de Doutorado em Direito Penal da UBA
Mestre em Acesso à Justiça e Direito Processual
Defensor Público do Estado de Minas Gerais

     
 RESUMO
O presente artigo tem por objetivo demonstrar que os indivíduos das classes sociais menos favorecidas não precisam ter o mesmo esforço para o cometimento de um delito em comparação aos indivíduos das classes sociais superiores. Há patente desequilíbrio no grau de reprovabilidade que deve recair sobre eles e, consequentemente, o juiz deve considerar tal circunstância para atenuar a pena valendo-se do disposto do art. 66 do Código Penal.


A sociedade brasileira atual vive uma crise social onde as classes sociais mais altas clamam modelos de política criminal punitivistas e se valem do sistema jurídico penal como maniqueísta e opressor das classes menos favorecidas.

O Direito Penal é utilizado como instrumento de segregação e cotrole, sendo opressor das classes menos favorecidas.

Os indivíduos hoje, são selecionados como criminosos por um sistema penal deslegitimado, subserviente a casta social superior. Essa seleção dá-se por estereótipos (cor da pele, vestimentas, adereços, corte de cabelo, trejeitos, residência, grupo em que está inserido e etc.). Por serem selecionados e por serem vulneráveis frente ao sistema social sua reprovabilidade deve ser diminuída se comparado ao criminoso do colarinho branco ou aquele membro da classe superior.

O filósofo prussiano Jean Paul Marat, desenvolveu um estudo sobre a situação dos miseráveis frente a Lei. Ele aduziu que a fonte da legitimidade da chamada obrigação de submeter-se às leis é frágil e desarrazoada.

Tal obrigação não pode atingir àqueles que são excluídos das vantagens da sociedadearcando com todas as suas desvantagens, pois a sociedade não pode exigir que todas as pessoas obedeçam às leis, se não oferece pontos de partida igualitários a todas essas pessoas. Aqueles que são miserabilizados pela exclusão acabam retornando à sociedade natural, onde vigora a lei da selva, sendo compelidos, por forças instintivas, às luta pela sobrevivência, donde emerge o crime patrimonial. Qual a solução? Autorizar o roubo/furto? Não: proporcionar vida digna para todos, emprego ao pobres, possibilidade de acesso aos meios legítimos; só assim, oferecendo pontos de partida igualitários, é que a sociedade poderá exigir a obediência às leis.

O sociólogo Americano Edwind Sutherland desenvolveu a teria das subculturas criminais onde mostrou como a distribuição desigual do acesso aos meios legítimos para alcançar objetivos culturais das minorias desfavorecidas e a estratificação (divisão) de grupos sociais levaria a relativização dos valores de grupos menos favorecidos, pois o “mínimo ético” para estes é bem diferente do “mínimo ético” dos grupos detentores do poder. Tal entendimento demonstra a VULNERABILIDADE dos indivíduos das camadas carentes da sociedades frente ao sistema penal.

Alessandro Barrata, na clássica obra Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal[1], abordando a temática em questão, reza que:

"Se o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade democrática e igualitária seria inseparável da luta pela superação do sistema penal."

O professor Eugênio Raúl Zaffaroni[2] prega que a intervenção do estado penal deve ser mínima, pois estamos diante de uma sociedade dividia em castas sociais e, na casta menos favorecida, as pessoas são mais vulneráveis, razão pela qual a reprovabilidade deve ser reduzida proporcionalmente à desigualdade existente. O Direito Penal igualitário e que não propõe uma adequação a esta realidade criminológica e sociológica está deslegitimado!

Eugénio Raul Zaffaroni[3] ao dizer que “el poder punitivo siempre conservará su carácter irracional que deviene de su propia estrutura, de la carencia de utilidad y por otro la inevitable falla ética con que lo sella la selectividad”  demonstra como o sistema penal é seletivo e pune de forma materialmente desigual os pobres.

Na América Latina, vivemos um processo degenerado de deshumanização dos indivíduos mestiços e pobres. Esses são atingidos pela seletividade do sistema penal.Aglomeram-se formando um casta social, cliente do sistema opressor das agências de controle social formal (polícia, etc). O professor Zaffaroni[4], em interessante artigo, faz uma retrospectiva sobre este fenômeno:

El poder de la burguesía europea del siglo XIX fue generando una estética a su media. La verdad es que se fue delineando un estereotipo del pobre bueno (física y moralmente bueno por naturaleza) y otro del pobre malo (feo y amoral por naturaleza).
Todo lo que agredía a la burguesía era lo malo y todo lo malo era lo feo, por primitivo y salvaje. Tanto el pobre que agredía como el colonizado que se rebelaba eran salvajes, ambos bajo el signo del primitivismo. El enemigo es feo porque es primitivo o salvaje: ese fue el mensaje.
Lógicamente, eran feos los pobres porque estaban mal alimentados y en pauperrimas condiciones de higiene.
La fealdad del pobre era la que regía el estereotipo con el cual salían las perreras a dar caza a los enemigos de la burguesía y a enjaularlos en sus cárceles.
Bastaba con ir a los zoológicos humanos carcelarios y manicomiales para convencerse de eso: todos eran feos y malos, primitivos, lo mismo que los salvajes colonizados.

O significado político do controle social realizado pelo Direito Penal e pelo Sistema de Justiça Criminal aparece nas funções reais desse setor do Direito: a criminalização primária realizada pelo Direito Penal (definição legal de crimes e de penas) e a criminalização secundária realizada pelo sistema de Justiça Criminal (aplicação e execução de penas criminais) garantem a existência e a reprodução da realidade social desigual das sociedades contemporâneas[5].

O Sistema de Justiça Criminal realiza a função declarada de garantir uma ordem social justa, protegendo bens jurídicos gerais e, assim, promovendo o bem comum. Essa função declarada é legitimada pelo discurso oficial da teoria jurídica do crime, como critério de racionalidade construído com base na lei penal, e pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena, fundado nas funções de retribuição de prevenção especial e de prevenção geral atribuídas à pena criminal.

Assim, mediante as definições de crimes e cominações de penas, o legislador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas da formação social, incriminando ações lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material, concentradas na criminalidade patrimonial comum, característica dessas classes e categorias sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: as definições de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência de reprodução dessas classes sociais. Em consequência, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal, os indivíduos pertencem às classes e aos grupos sociais subalternos, especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal.

O direito penal não atinge de forma incisiva os autores do crime do colarinho branco, a criminalidade econômica, a improbidade administrativa, crimes contra a ordem tributária, relações de consumo, mercado de capitais, meio ambiente etc., gerando uma sensação de impunidade entre aqueles que se arvoram na prática dos crimes e, indiretamente, na sociedade, que convive com a falácia de que o Direito Penal é igualitário. Na verdade, o Direito Penal é Simbólico.

Assim, a posição social dos sujeitos revela sua função determinante do resultado de condenação absolvição criminal no processo de criminalização: a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor. A criminalidade sistêmica econômica e financeira do autor pertencente aos grupos socais hegemônicos não produz consequências penais: não gera processos de criminalização, ou os processos de criminalização não geram consequências penais; ao contrario, a criminalidade individual violenta  ou fraudulenta de autor pertencente a segmentos sociais subalternos – como individuo socialmente vulnerável selecionado por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social – produz consequências penais: gera processos de criminalização, com consequências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho[6]


Sabe-se que o art. 66 do Código Penal assevera que

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,embora não prevista expressamente em lei.


O professor Celso Delmanto[7] assevera que:


Além das atenuantes explicitamente arroladas no art.65, este art.66 ainda prevê as chamadas circunstâncias atenuantes inominadas (ousem nome). Por elas, haverá atenuação da pena em razão de circunstância relevante,anterior ou posterior á prática do crime, embora não prevista em lei de forma expressa. Assim, independentemente da época de sua ocorrência, a pena poderá ser atenuada por circunstância relevante. Exemplo: anos antes de cometer um crime grave, ainda não julgado, o acusado arriscou sua vida para salvar vítimas de um incêndio ou desastre; após o cometimento de homicídio culposo no trânsito, o agente passa a dedicar-se a difundir as regras de trânsito em escolas. O juiz pode considerar que a circunstância não tem relevância para atenuar a pena e deixar de diminuí-la. Todavia, não se trata de mero arbítrio do julgador. Assim, se a mesma circunstância inominada incide, identicamente, para dois acusados, não se pode atenuar a pena de um e recusá-la para outro. Apesar do verbo "poderá", trata-se de direito subjetivo do réu, que não lhe pode ser recusado quando a circunstância tem relevância para atenuar a pena.

Dessa forma, a vulnerabilidade pode ser considerada pelo magistrado para atenuar sua pena se esta situação mostrar-se evidente nos autos. Tal medida transforma o Direito Penal em um instrumento menos injusto e mais adequado à realidade social brasileiro.

Bibliografia

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CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da Libertação. Pensamento criminológico, 10. Rio de Janeiro: Revan, 2005

ELBERT, Carlos Alberto. Novo Manual Básico de Criminologia. Tradução de Ney Fayet Júnior. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia radical. Curitiba: IPCP: Lumen Juris, 2006.

SÁ, Geraldo Ribeiro de.  A prisão dos excluídos. 1996.

SÁNCHEZ, Jesus Maria Silva. A Expansão do Direito Penal – Aspectos da Política Criminal nas Sociedades Pós Industriais. 2ª Ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2011.

WACQUANT, Loïc. PUNIR OS POBRES: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2ª ed. Col. Pensamento Criminológico. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003

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___________; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal: Parte General. 2. ed. Buenos Aires: EDIAR, 2000. 

____________, E. Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, 2ª edição, p. 33

ZAFFARONI apud ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima. Livraria do Advogado Editora, 2003, Porto Alegre. Pág. 39

ZAFFARONI. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2012.

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1303448-alberto-zacharias-toron-um-novo-rotulo.shtml, acesso em  02 de janeiro de 2014

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En busca de las penas perdidas. 1. Ed. 6. Reimp. Buenos Aires. Ediar, 2013, p. 137.



[1] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.
[2] Ob. Cit. p. 182 e 212.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general / Alejandro Slokur y Alejandro Alagiu - 2", ed. – Buenos Aires, Argentina, 2002, pág. 654.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Criminología: una aproximación desde el margen. Capítulo 5: Consolidación del saber criminológico racista-colonialista in JN Escritos Monográficos.

[5] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal, 2002, 3ª Edição. p. 175.
[6] SANTO, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal – parte geral, São Paulo:2011. Conceito Editoral. p. 7.
[7] DELMANTO, Celso Delmanto ET AL. Código Penal Comentado. 7. Ed. Atual. e ampl. – Rio de Janeiro:Renovar, 2007.






A teoria da vulnerabilidade de raúl Eugenio Zaffaroni 
e suas bases sociológicas
Leonardo Lobo de Andrade Vianna*
1. Introducão [arriba] -  
O presente estudo tem como base a teoria da vulnerabilidade do professor Doutor Raúl Eugenio Zaffaroni[1], bem como as bases sociológicas que utiliza em suas pesquisas para chegar a esta teoria. Será abordado também o conceito e limites da autodeterminação e suas implicações bem como as críticas de Zaffaroni em relação às doutrinas tradicionais da culpabilidade como a prevenção geral e especial, entre outras.
Zaffaroni é um defensor de um movimento chamado “funcionalismo redutor” e utiliza a criminologia crítica como manifestação política para a formulação dogmática e uma de suas principais contribuições nesta direção é a “culpabilidade por vulnerabilidade”, que toma em conta a seletividade do direito penal para algumas pessoas mais vulneráveis que outras.
Sem embargo, baseia sua teoria da vulnerabilidade nas teorias interacionais e, sem dúvida, tem bases nas teorias de Sutherland, teoria das subculturas criminais de Cloward-Ohlin são antecedentes importantes no desenvolvimento desta teoria realista e que trata a culpabilidade como um fator de racionalização e de humanização do direito penal, ou seja, de limitação do poder punitivo estatal.
2. Culpabilidade e o espaço de sua autodeterminação como essência da ação humana [arriba] -  
No plano da culpabilidade, segundo o professor argentino, não há delito quando o autor não haja tido no momento da ação certa margem de decisão ou, se prefere, de liberdade para decidir[2].
Ou seja, qualquer concepção de humano sem capacidade de decisão, ou seja, sem uma certa liberdade de ação, exclui por completo uma responsabilização penal.
Assim, responsabilidade e autodeterminação são conceitos inseparáveis.
Esta capacidade existente na vida, própria da essência das pessoas, de selecionar, com alguma liberdade, suas ações é natural do ser humano, numa teoria conciliatória entre o livre-arbítrio e o determinismo.
Certo que existem casos em que a autodeterminação é reduzida merecendo menor reprovação ou diminuída sua reprovação. A susceptibilidade da autodeterminação deve ser auferida de acordo com a situação concreta, empiricamente, segunda as experiências e as circunstâncias concretas do fato de acordo com aquele indivíduo que estava naquela ocasião num determinado contexto social. Mas isso não pode traduzir que o julgador se coloque no lugar do acusado, pois o juiz tem outra visão sobre a situação em si, devendo-se valorar aquele indivíduo de acordo com seus próprios valores e visões de mundo, e não na visão de outro.
Ninguém pode exigir que uma pessoa seja um herói em uma determinada situação factual, nem também que seja um covarde e sofra consequências irreversíveis para si ou para outrem. O juiz não pode avaliar arbitrariamente estas circunstâncias mas de acordo com as experiências e pela ciência da psicologia e outros estudos sobre cada caso.
Há casos em que inexiste liberdade de ação no fato concreto, não se pode reprovar ou responsabilizar uma pessoa diante de determinadas situações.Esta inculpabilidade, entendida erroneamente pela doutrina como inexigibilidade de outra conduta, não é mais do que o denominador comum, gênero ou natureza última de todas as causas de inculpabilidade[3].
2. A culpabilidade e suas versões mais tradicionais
A culpabilidade em sua versão vigente mais tradicional é fundada na ideia de uma pessoa livre e responsável proveniente dos planos éticos e morais, “fundada en el reproche o en la exigibilidad resultante del ámbito de autodeterminación del sujeto”[4].
O que ocorre em este pensamento é o divórcio radical do Direito Penal do autor. Sem embargo, a ética tradicional se baseia numa reprovação pessoal, de caráter ou de autor em relação à culpabilidade.
Alguns pensam na culpabilidade como eleição livre ou a liberdade de eleição como um sentimento subjetivo de liberdade de um cidadão comum o que remonta os velhos conceitos de culpabilidade, o que gera uma crítica de que não se pode mensurar ou medir nem graduar a liberdade de eleição de uma pessoa em um dado psicológico e reprová-lo segundo se acredita que deva ser punida a pessoa.
A crise da culpabilidade é resultado do fracasso do discurso jurídico-penal por legitimar o exercício do poder substancialmente irracional e que se assenta sobre uma ficção de solução de conflitos[5].
A grande parte das teorias começa com a ideia de uma culpabilidade como limite a prevenção geral ou especial.
A prevenção geral com intenção de dissuadir potenciais autores, ou seja, para infundir medo aos outros concidadãos, parte do pressuposto da necessidade de se impor uma pena irracional, terrorista, para “dar exemplo”[6]. Parte esta teoria de uma concepção de um homem médio vinculando toda a pena aplicada a um indivíduo, sem qualquer preocupação com este cidadão em particular, apenas pune-se para “dar exemplo” como um bode expiatório.
Segue a lógica de que toda pena deve ser trágica e há um trágico ponto de chegada: a pena de morte para todos os delitos[7].
Por outro lado, uma culpabilidade como prevenção especial se assenta em função de uma simples necessidade preventiva aonde a medida da culpabilidade só serviria como limite. Segundo este corrente[8], a livre vontade não seria uma realidade, senão um “princípio regulativo”. Assim, as intervenções punitivas, na perspectiva da prevenção especial, só se justificariam de modo “político criminal”, baseando-se no determinismo, pois não se pode medir a pena por uma ficção da responsabilidade do homem.
Ou seja, acredita-se que punindo a pessoa vai parar de cometer crimes, evitando-se a reincidência, quando sabemos que o índice de reincidência segundo o próprio departamento penitenciário nacional – Depen assevera que a reincidência no Brasil ultrapassa os 80%.
Estas disputas dogmáticas não tem conteúdo real, pois são meras construções jurídicas e políticas que legitimam uma prática burocrático-judicial. Nenhum dado da realidade social confirma que a pena cumpra alguma função de prevenção geral ou especial. Por todo contrário, os dados sociais indicam que o poder punitivo gera efeito reprodutor do crime[9]. 
Assim, não se pode pensar em uma culpabilidade senão com base em uma realidade social, com dados antropológicos e com ideais humanistas.
3. A proposta da vulnerabilidade e suas bases sociológicas [arriba] -  
Como sabemos, a culpabilidade é o vínculo entra a pessoa e o injusto penal ou o enlace entre as teorias do delito e da pena.
Mas os seres humanos são diferentes em sua essência e o Direito Penal não pode se olvidar disso. Cada caso é diferente um do outros, assim como cada culpabilidade deve ser valorada de forma diferente para cada caso.
A culpabilidade, segundo Zaffaoni é el juicio que permite vincular en forma personalizada el injusto a su autor y, en caso de operar esa vinculación, proyectarse desde la teoría del delito como principal indicador del máximo de la magnitud de poder punitivo que puede filtrarse sobre éste[10] e não pode ignorar a seletividade do sistema.
A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa do aumento vertiginoso da criminalidade. A sociedade da America Latina continua caracterizada pelas disparidades sociais alarmantes e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência urbana criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades.
O uso rotineiro da violência letal pela policia militar e o recurso habitual à tortura por parte da policia civil, às execuções sumárias geram um clima de terror entre as classes populares.
Desenvolver o Estado penal para responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela grande quantidade de pessoas que vivem a margem da sociedade – subproletariados, faz aumentar, diuturnamente, os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário, equivale a (r) estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres. Vemos o apavorante sistema carcerário, que mais parecem campos de concentração para pobres, ou empresas públicas de depósito industrial de dejetos humanos, do que instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão, neutralização e reinserção.
O entupimento estarrecedor dos estabelecimentos penais gera condições de vida e de higiene abomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz, alimentação, negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, cujo resultado é a aceleração dramática da difusão da tuberculose, vírus do HIV entre outras, penetrando nas classes populares em razão da superlotação superacentuada e das carências da supervisão ou pela omissão dos agentes públicos na guarda dos presos.
Pelo contrário, deve tomar em conta o dado da seletividade e a situação concreta de vulnerabilidade das pessoas como sistema penal, ou seja, deve ter em conta a perigosidade do sistema penal, que pode ser definida como maior ou menor probabilidade de criminalização secundária que recai sobre uma pessoa, de acordo com o status social, de classe, de sua função laboral ou profissional, renda, estereótipo, ou seja, sua posição dentro da escala social.
Segundo Zaffaroni “el poder punitivo siempre conservará su carácter irracional que deviene de su propia estructura, de la carencia de utilidad y por otro la inevitable falla ética con que lo sella la selectividad”[11].
Assim, a culpabilidade tem a função de ser a barreira de contenção do poder punitivo irracional, não somente como uma reprovação do autor que legitima o poder, senão como um limite a sua irracionalidade seletiva para amenizar os nefastos efeitos inconsequentes do direito penal na vida das pessoas.
A vulnerabilidade seria então a ferramenta para a compensação ou contenção do poder punitivo e sua óbvia desigualdade, de classe, de raça, de pessoas, entre outros, em uma teoria moderna chamada “funcionalismo redutor”.
Os pressupostos que Zaffaroni baseia sua culpabilidade pela vulnerabilidade são sociológicos, para aperfeiçoar o Direito com a ciência social.
O Direito, que outrora bradava pela sua independência em relação a outras ciências sociais, hoje se torna arrependido ao seu lar: o Direito reside na moral. Há, entre esses dois conceitos, uma conexão não apenas contingente, mas necessária[12].
Já se foi à época em que o Direito era somente para os juristas e as Ciências Sociais para os sociólogos e criminólogos. Não se pode divorciar a ciência jurídica da ciência social, mas sim fazermos uma conjunção de ambas lembrando que trabalhamos com pessoas humanas e suas relações com o poder estatal.
A visão mais ampla, novas direções, com novas ferramentas dogmáticas, inclusive, para conter a fúria do poder punitivo estatal, ou seja, a utilização da teoria da vulnerabilidade serve como barreira de contenção ou como fator de redução de danos do Direito Penal, mas nunca para legitimar este poder irracional e desumano.
Aliás, ainda no final do século XXI, com o livro “Em busca das penas perdidas”, o professor Raúl Eugenio Zaffaroni abandona a corrente chamada “garantismo” que segundo ele, embora importante corrente de pensamento, continua a legitimar este poder punitivo irracional e desumano.
Para isto, é muito importante à utilização de um discurso mais amplo, sociológico, segundo a realidade social e a interação das pessoas com o sistema penal, pois a culpabilidade, de acordo com a dignidade da pessoa humana, consagrada nas constituições e documentos universais de Direitos Humanos deve assentar em dados antropológicos e não em alguma ficção ou discurso político criminal sem base científica.
El ámbito de personas que realizan actos típicos es inconmensurable, pero sólo pocas personas son seleccionadas por el derecho penal y, salvo excepciones, éstos son vulnerables a su ejercicio porque responden a estereotipos.[13]
O que importa não é tanto a prática do delito, senão a vulnerabilidade de sua situação em relação ao poder.
Sem embargo, o direito penal somente incide sobre uns poucos selecionados por sua maior vulnerabilidade ao sistema penal e suas agências políticas e policiais.
A compensação que pode alcançar uma culpabilidade redutora da seletividade não legitima eticamente o poder punitivo, mas reduz sua cota de ilegitimidade até níveis menos irracionais e, sobretudo, até aonde é possível.
Com isso, o Direito Penal cumpre seu conteúdo mais ético, pois esgota seu espaço de poder para evitar que o estado se limite somente a usar elementos formais da ética para reprovar os que seu poder tenha selecionado previamente[14].
E assim, para uma maior função redutora do poder punitivo é preciso um filtro da vulnerabilidade como uma compensação que reduz ao mínimo a falha do sistema penal e seus selecionados.
Em primeiro lugar, se pode dizer que, o foco de Zaffaroni se baseia em muitas teorias interacionais.
Muito importante é a sociolinguística e a psicologia social de George H. Mead (1863-1931), chamado “interacionismo simbólico”, que considera de suma importância, a influência na interelação social, significados pessoais de indivíduos segundo sua interação, assim como o estado obtém significados de essa interação para sua própria interpretação pessoal[15].
Por outro ângulo, a “etnometodología” que surgiu da sociologia fenomenológica de Alfred SCHUTZ (1899-1959),[16] aonde a realidade está composta pelas relações reais entre os indivíduos em um processo de interação que tem lugar através da linguagem e dos signos.
Assim que entra esta teoria, o mundo simbólico somente constrói através da interação entre duas ou mais pessoas e, portanto, o simbolismo é uma interação de cunho social.
As teorias do conflito partem de uma concepção de que as relações humanas são relações de poder e da exploração entre os homens.
Houve uma corrente sociológica surgida nos Estados Unidos, na metade do século XX, cuja ideia principal é de que o conflito é criado pela sociedade e não uma realidade ontológica. O desvio é uma atribuição de entorno social chamada labelling approach[17].
A chave para que um comportamento seja uma ação criminal que não reside muito nas características intrínsecas (ontológicas) da ação, mas no etiquetamento e tratamento que os discursos fazem em torno daquele determinado comportamento.
No Brasil, por exemplo, podemos observar o exemplo do tráfico.
Não se nega que o tráfico continue merecendo combate e nem que ele é a causa, direta ou indireta, de variadas formas de criminalidade. Por outro lado, constata-se que o aprisionamento em massa não diminuiu e nem mesmo afetou as grandes organizações criminosas.
Basta verificar que o Brasil nunca teve tantos presos por envolvimento com drogas e, mesmo assim, nunca enfrentou tamanha endemia no consumo de crack e de outras substâncias ilícitas. Como pode haver tanto consumo se tantos traficantes estão presos?
Tudo indica que o vetor da atual política criminal de encarceramento está mal orientado.
Isso sem dizer que prender demais provoca agravamento da falta de vagas no sistema penitenciário, intensifica as violações de direitos humanos causadas pela superlotação, desvia aportes de verbas para tratamentos de dependentes e usuários, aumenta gastos públicos, afeta as famílias dos envolvidos etc.
Com a resolução 5/12 do Senado, deixa de haver vedação abstrata de penas alternativas para condenados por tráfico na forma do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas.
Caberá aos juízes, nesses casos, verificar o cabimento das penas restritivas de direitos na forma dos artigos 44 e seguintes do Código Penal.
O artigo 44 da Lei de Drogas que também contém a expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos” não atingirá mais as hipóteses em que a causa de diminuição de pena do artigo 33, parágrafo 4º tiver sido reconhecida. Preserva-se a proibição do artigo 44 para hipóteses diversas, conquanto fosse de bom alvitre também a sua eliminação do plano normativo.
Convém lembrar que a condenação na forma do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas pressupõe que o réu tenha sido comprovadamente considerado primário, de bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização criminosa. Preenchidos tais requisitos, exsurgirão cristalinos tanto o direito à aplicação da causa de diminuição da pena quanto o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Reincidentes, membros estáveis ou esporádicos de quadrilhas ou facções e indivíduos comprovadamente inseridos no organograma de organizações criminosas não farão jus ao benefício, como nunca fizeram.
Contudo, viciados e dependentes que só têm na própria venda de drogas o meio de sustento do vício e jovens adultos sem perspectivas, mas também sem histórico criminoso, que são a esmagadora maioria da atual população penitenciária do Brasil, não estarão fadados ao tratamento padronizado de aprisionamento em massa e poderão encontrar nas penas restritivas de direitos um meio de reinserção social, sem que isso signifique despojamento estatal do caráter retributivo da punição.
Em suma, a resolução garante que cada caso será avaliado individualmente e segundo critérios empíricos, como impõe o artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal[18].
Assim, embora temos um sentido individual, a base para qualquer e todos os sentido de cada ação, se funda nas relações entre indivíduos, é dizer, o que fazemos construímos socialmente (BARATTA, 2002).
Segundo Hassemer, a estigmatização significa processo de etiquetamento e sua tese central é de que "la delincuencia es una etiqueta que se aplica por la policía, la Fiscalía y la Corte Penal, las instancias formales de control social"[19]. Todavia: "... el enfoque de etiquetado se refiere especialmente a dos resultados de reflexión sobre la realización concreta de la ley: el papel del juez como el creador del derecho y la invisible carácter de 'adentro' "ley”[20].
Vemos que a ação penalmente relevante é o comportamento que assinala um sentido ou um significado socialmente danoso, segundo a interação social. Sendo que esta sinalização significativa “transforma” um comportamento qualquer em ação penalmente relevante.
Aclarando: são as práticas interpretativas que determinam a interpretação e aplicação das normas gerais a situações específicas.
Os significados estão em nossa mente e não na realidade pré-constituída, revelando que o Direito é uma assimilação de significados de certos comportamentos considerados desviantes e criminosos.
Assim, muitas vezes o que um Ministro de Estado pratica é um crime imensuravelmente mais danoso (desvio de verbas, favorecimento de particulares, etc.) que um simples furto, porém, a sociedade constrói uma imagem de que o Ministro deve ser apenas “afastado” enquanto que o “ladrão” deve ser preso e castigado. Assim funcionado o sistema penal.
Ou seja, muitas ações que são imensamente mais danosas para coletividade do que outras deixam de ser punidas com o rigor da lei para que outras sejam colocadas em seu lugar. Assim, devemos perguntar: para quem serve o Direito Penal?
Na teoria do Direito, existe um conjunto de normas gerais de comportamento (regras superficiais) e um conjunto de regras de interpretações e aplicações de normas gerais (regras de meta).
As regras de meta são recrutadas da estrutura produzida pela interação dos indivíduos e socialmente definido por CICOUREL (1970) como “cultura comum”, é dizer, os significados relacionados com a cultura compõem a substância dos sentidos de uma determinada situação que conduzem a responsabilização penal ou não de determinado comportamento.
Ingo Sarlet, nesta linha de pensamento, empreendeu a seguinte análise:

cumpre assinalar que a crise de efetividade que atinge os direitos sociais, diretamente vinculada à exclusão social e falta de capacidade por parte dos Estados em atender as demandas nesta esfera, acaba contribuindo como elemento impulsionador e como agravante da crise dos demais direitos, do que dão conta – e bastariam tais exemplos para comprovar a assertiva – os crescentes níveis de violência social, acarretando um incremento assustador dos atos de agressão a bens fundamentais (como tais assegurados pelo direito positivo) , como é o caso da vida, integridade física, liberdade sexual, patrimônio, apenas para citar as hipóteses onde se registram maior número de violações, isto sem falar nas violações de bens fundamentais de caráter transindividual como é o caso do meio ambiente, o patrimônio histórico, artístico, cultural, tudo a ensejar uma constante releitura do papel do Estado democrático de Direito e das suas instituições, também no tocante às respostas para a criminalidade num mundo em constante transformação. 
A partir destes exemplos e das alarmantes estatísticas em termos de avanços na criminalidade, percebe-se, sem maior dificuldade, que à crise de efetividade dos direitos fundamentais corresponde também uma crise de segurança dos direitos, no sentido do flagrante déficit de proteção dos direitos fundamentais assegurados pelo poder público, no âmbito dos seus deveres de proteção (...). Por segurança no sentido jurídico (e, portanto, não como equivalente à noção de segurança pública ou nacional) compreendemos aqui – na esteira de Alessandro Baratta – um atributo inerente a todos os titulares de direitos fundamentais, a significar, em linhas gerais (para que não se recaia nas noções reducionistas, excludentes e até mesmo autoritárias, da segurança nacional e da segurança pública) a efetiva proteção dos direitos fundamentais contra qualquer modo de intervenção ilegítimo por parte de detentores do poder, quer se trate de uma manifestação jurídica ou fática do exercício do poder[21]
O interacionismo simbólico de MEAD surge em contraposição de teorias jurídicas e sociológicas, tais como a funcionalista que desenha as ações como regras e normas preestabelecidas.
Desde a perspectiva do interacionismo simbólico, há uma grande variedade de interações sociais fazem com que a coletividade se separa em algumas formas e conduzem a formação de determinados grupos sociais, cada um com suas regras e normas de conduta, validada e aceita pelos indivíduos que a compõe.
O Direito Penal tem sido utilizado mais como um discurso simbólico, político, como os resultados mostram que a intervenção penal, especialmente a estigmatizante de detenção (prisão) tem gerado, em lugar da reeducação, na maioria dos casos, uma consolidação de identidades criminosas da pessoa condenada e sua inclusão numa carreira propriamente desviante[22].
Em nome da “defesa social”, se introduzem mais pessoas na carreira desviante do sistema prisional, trazendo mais sofrimento e dor para as famílias dos presos e fazendo a sociedade crer que, quanto mais prisões e mais penas, a sociedade fica mais “segura” criando uma ingênua sensação de tranquilidade cada vez que se pune exemplarmente com penas elevadas condutas que são trazidas pela mídia em geral, numa falsa ilusão que o Direito Penal serve de panaceia para todos os males.
4. Edwin H. Sutherland e a teoria das subculturas criminais de Richard A. Cloward e L. E. Ohlin como negação do “princípio da culpabilidade” [arriba] -  
Sutherland descreve, especialmente quando analisa as formas de aprendizagem do comportamento criminoso e da dependência desta com as várias associações diferenciais que a pessoa tem com outras pessoas ou grupos de pessoas.
O autor faz uma crítica viril contra as teorias gerais do comportamento criminoso, baseadas sobre as condições econômicas (a pobreza), psicopatológicas ou sociopatológica.
Alessandro Barrata faz uma análise sobre a conclusão chegada por Sutherland quanto ao equívoco das teorias gerais da criminalidade:
Estas generalizações, afirma Sutherland, são errôneas por três razões. Em primeiro lugar, porque se baseiam sobre uma falsa amostra de criminalidade, a criminalidade oficial e tradicional, onde a criminalidade de colarinho branco é quase que inteiramente descuidada (embora Sutherland demonstre, por meio de dados empíricos, a enorme proporção deste fenômeno na sociedade americana). Em segundo lugar, as teorias gerais do comportamento criminoso não explicam corretamente a criminalidade do colarinho branco, cujos autores, salvo raras exceções, não são pobres, não cresceram em slums, não provêm de famílias desunidas, e não são débeis mentais ou psicopatas[23].
Ou seja, as teorias gerais sobre a criminalidade baseadas nas condições econômicas não explicam a criminalidade do colarinho branco, ou de estratos médios ou altos da sociedade.
Porém, em alternativa às teorias convencionais, Sutherland (1940), assevera que há um elemento que ocorre em todas as formas de crime:
A hipótese aqui sugerida em substituição das teorias convencionais, é que a delinquência de colarinho branco, propriamente como qualquer outra forma de delinquência sistemática, é aprendida; é aprendida em associação direta ou indireta com os que já praticaram um comportamento criminoso, e aqueles que aprendem este comportamento criminoso não têm contatos frequentes e estreitos com o comportamento conforme a lei. O fato de que uma pessoa torne-se ou não um criminoso é determinado, em larga medida, pelo grau relativo de frequência e de intensidade de suas relações com os dois tipos de comportamento. Isto pode ser chamado de processo de associação diferencial[24].[25]
Assim, para Sutherland, também existem fatores sociais (prestigio de alguns autores de infrações, escassa estigmatização de alguns tipos penais como os econômicos, políticos) e econômicos (possibilidade de recorrer a advogados de renomado prestígio, exercer pressão sobre os litigantes, corrupção, etc.) que contribuem para a chamada “cifra negra” (crimes sem apuração), ou quando muito aplicam simbologicamente o direito penal com sanções alternativas, como multas ou penas restritivas de direito, entre outras sanções não estigmatizantes.
Albert Cohen também demonstra, através de sua pesquisa sobre a teoria dos bandos juvenis, a existência da subcultura e do seu conteúdo específico.
Segundo Cohen, os adolescentes da classe operária e do subproletariados em geral (pobres e marginais), a incapacidade de se adaptar aos standards da cultura dominante faz surgir o problema da autoconsideração e do status.
Disso resulta uma subcultura de “negativismo”, “malvadeza” que permite exprimir e justificar a hostilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social.
Ou seja, é criado um sistema de crenças e de valores, cuja origem é extraída de um processo de interação entre rapazes que, no interior da estrutura social, ocupam posições semelhantes. Esta subcultura representa a solução de problemas de adaptação, para os quais a cultura dominante não oferece soluções satisfatórias[26].
Assim, a teoria das subculturas criminais nega que o delito possa ser considerado como expressão de uma atitude contrária a valores e às normas sociais gerais, e afirma que existem valores e normas específicas dos diversos grupos sociais (subcultura)[27].
Isso mostra, que no interior de uma sociedade moderna, que é pluralista e conflitual, existem conjuntos de valores e regras sociais comuns, porém, existem também valores e regras específicas de grupos antagônicos.
Assim, o direito penal não exprime, pois, somente regras e valores aceitos unanimemente pela sociedade, mas seleciona entre valores e modelos alternativos, de acordo com grupos sociais que, na sua construção (legislador) e na sua aplicação (magistratura, polícia, instituições penitenciárias), têm um peso prevalente[28].
Ou seja, dentro de uma única sociedade existem diferentes estratos sociais, aonde alguns são mais perseguidos pelo sistema penal do que outros, pois aqueles que escolhem os valores e aplicam o direito penal utilizam de um modelo comum apenas a alguns extratos da sociedade, criando assim um sistema desigual e baseado na falsa ideia de que existe uma sociedade uniforme, ecumênica, fraterna onde todas as pessoas possuem um mesmo valor e crença, ou seja, numa culpabilidade de um “mínimo ético” para proteger um sistema a “convivência humana” baseada na responsabilidade ética individual.
Também, a teoria das subculturas criminais de Cloward-Ohlin e Sutherland mostrou como a distribuição desigual do acesso aos meios legítimos para alcançar objetivos culturais das minorias desfavorecidas e a estratificação (divisão) de grupos sociais levaria a relativização dos valores de grupos menos favorecidos, pois o “mínimo ético” para estes é bem diferente do “mínimo ético” dos grupos detentores do poder.
Ou seja, se a eleição dos valores não é livre, e sim de acordo com algumas condições sociais e de comunicação não se pode dizer que existe uma “ética comum” para a culpabilidade, pois o que é reprovável para um grupo pode não ser para outro, destruindo um conceito geral de culpabilidade por prevenção geral ou especial.
Finalmente podemos dizer que não existe um único sistema de valores, ou o sistema de valores, em que a pessoa é livre de determinar-se de acordo com uma única gama de valores eleitos por alguns ou um grupo social, para se impor para todos.
Ao contrário, não só a estratificação e o pluralismo dos grupos sociais, mas também as reações típicas de grupos socialmente impedidos de pleno acesso aos meios legítimos para a consecução dos fins institucionais dão lugar a um pluralismo de subgrupos culturais, alguns dos quais rigidamente fechados em face do sistema institucional de valores e de normas, e caracterizados por valores, normas e modelos de comportamento alternativo àquele[29].
Concluindo, só aparentemente está à disposição do sujeito escolher o sistema de valores ao qual adere. Em realidade, condições sociais, estruturas e mecanismos de comunicação e de aprendizagem determinam a pertença de indivíduos a subgrupos ou subculturas, e a transmissão e técnicas, mesmo ilegítimas.
5. Conclusão [arriba] -  
As teorias tradicionais da culpabilidade – prevenção geral ou especial – não possuem qualquer relação com a realidade de uma sociedade pluralista, com interesses antagônico muitas vezes, estratificada, não produzindo, portanto, qualquer efeito eficaz de combater a criminalidade ou reduzir sua incidência, devendo, portanto, serem rechaçadas. A teoria da vulnerabilidade como fator de contenção do poder punitivo estatal, trazida pelo professor argentino Raúl Eugenio Zaffaroni, mostra como se pode conter ou reduzir os danos causados pelo Direito Penal baseado na realidade e na exposição que o autor da infração está sujeito, pois o Direito Penal vem sendo utilizado de maneira irracional e sem qualquer eficiência, contribuindo inclusive para a reprodução da criminalidade. Com bases sociológicas, fincado em dados antropológicos e no movimento que chama de “realismo jurídico marginal” demonstra a seletividade do sistema penal e de suas agências oficiais, criando uma barreira de contenção em relação à culpabilidade para amenizar ou reduzir os danos e efeitos nefastos causados pelo sistema penal à pessoa humana num chamado “funcionalismo redutor”.
BIBLIOGRAFIA
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal; tradução de Juarez Cirino dos Santos.-3ª ed.-Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.
BETTIOL, Guiseppe; MANTOVANI, Luciano Pettoello. Diritto penal

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