sexta-feira, 4 de abril de 2014

pra refletir segue esta imagem....



sobre a Rotina....

Segue um interessante texto que aborda a coreografia social pós-moderna, extraído da obra do professor Eugénio Raul Zaffaroni e interpretado por mim. Boa leitura.

 
A rotina é a principal engrenagem responsável pelo funcionamento da sociedade pós-industrial. Ela é composta por sete características essenciais: a) ela é introjetada; b) politicamente correta; c) premiada; d) crônica; e) repetitiva; f) escravizante e g) depressiva. A rotina é introjetada por ser uma exigência externa pois que, as pessoas recorrem à rotina espontaneamente. Caso a rotina viesse a depender de uma decisão individualizada para cada fragmento de seu todo, certamente seria esfacelada. Para que a rotina subsista à tentação de ser quebrada, ela precisa ser automatizada, internalizada, introjetada, de tal maneira que se torne algo natural. Não uma exigência externa, mas uma necessidade intrínseca. 

A rotina é politicamente correta pois todos acabam querendo-na. É politicamente correto ter uma rotina. Quem não a tem é malvisto, é tido como vagabundo. Quem acorda um dia num horário, outro, noutro, não tem rotina, não tem disciplina, não tem organização, está excluído da sociedade. E as pessoas buscam a todo custo ter rotina. A ideia ocidental de felicidade é vendida como produto da rotina. Como são felizes as pessoas que têm rotina!
Sobretudo são bonitas! Bem sucedidas! Elas fazem esporte, têm sorrisos brancos e refrescantes, são bem vestidas e .... felizes! A imagem da pessoa feliz é a imagem de quem tem uma rotina a ser obedecida. Mesmo as reclamações da rotina fazem bem, fazem parte da rotina, porque constituem uma válvula de escape necessária para aliviar a repetição dos dias e representam um importante mecanismo de manutenção da própria rotina. Reclamar da rotina é alimentar a sua perpetuação. Faz parte. Como é emblemático ver um executivo, depois de um dia exaustivo de trabalho, sair do escritório, com a gravata frouxa e o paletó amarfanhado, reclamando que "não aguenta mais a rotina". Ele tem orgulho de dizer isso: "não aguento mais a rotina". Ele diz isso como quem levanta um troféu.

A rotina é premiada. Quanto mais o sujeito se sumete à rotina, obedecendo cada milésimo de segundo de uma programação, sem se desviar da rota preestablecida, recebe mais prêmios. Claro que se trata de prêmios simbólicos. emblemas, insígnias, rótulos, etiquetas de lapela, que serão exibidas ostensivamente para os colegas e, sobretudo, para si próprio. Nada impede que a recompensa seja mais do que meramente simbólica, embora isto seja raro. De qualquer maneira, existe um estímulo à rotina, mediante a promessa de uma recompensa. Bancos, empresas, seminários, colégios, famílias, enfim, todas as instituições pós-industriais funcionam sob esta lógica. 

A rotina é crônica e progressiva. Começa no trabalho. Vai para a família. A rotina vai se alastrando por cada meandro da vida do indivíduo até que um dia o sujeito sente a necessidade imperiosa de submeter absolutamente todos os seus comportamentos sob a égide da rotina. Tudo precisa de rotina. O que não é rotina é inseguro, é pavoroso, dá medo, causa pânico. Não raro, os finais de semana passam de forma despercebida e, depois que passaram, remanesce a impressão de que nada foi feito, justamente porque o final de semana é a quebra da rotina, vai contra ela. 

O indivíduo passou a semana inteira fazendo todos os dias as mesmas coisas e, quando chega o tão cobiçado final de semana, fica sem saber exatamente o que fazer, como barata tonta. Nos finais de ano, ele percebe que, apesar de ter desejado as férias, aquilo é algo tão vago e impreciso que ele sente vontade de retornar à boa e velha rotina. Mas, num determinado momento, o indivíduo acaba sentindo a necessidade de submeter, inclusive, os finais de semana e as férias a uma rotina. Os restaurantes são os mesmos, os programas são os mesmos, as praias frequentadas são as mesmas. Tudo acaba sendo rotina. Inclusive aquilo que foi feito para ser a antirotina.

A rotina é repetitiva, seria pleonasmo dizer que rotina é algo repetidamente produzido. Na verdade, o que se pretende dizer é que a rotina não precisa de uma finalidade. É o culto da repetição pela repetição. Submeter-se a uma rotina é importante por si só, pelo simples e tão só fato de submeter-se a uma rotina, ainda que seja um ato desprovido de qualquer finalidade. Bater cartões, preencher formulários, girar catracas, bater carimbos, abrir portas, dizer bom dia, fechar portas, dizer  boa tarde, tudo isso faz parte de um ritual, de uma coreografia social, que se autoalimenta por si mesma. O sujeito vai ao escritório ainda que não tenha nada para fazer, porque tem a necessidade de riscar aquela tarefa de sua lista de afazeres diários. Vai ao restaurante, ainda que não tenha fome, porque faz parte de sua rotina ir ao restaurante. Assiste ao jornal televisivo, ainda que não tenha a mínima vontade de fazê-lo, porque sua rotina exige aquele comportamento.

A rotina é escravizante. Apesar de ser premiado, o sujeito que a ela submete vai ser, para sempre, alguém que se submete à rotina. E isso é um aspecto muito curioso da rotina. Uma das principais ambições de quem se submete a rotina é livrar-se dela. Mas, quando consegue, é a morte. A rotina fisga o sujeito com teias invisíveis de tal maneira que ele se torna escravo da rotina. E isso é bem verificável nos aposentados. 

O aposentado é aquele sujeito que passou a vida inteira se submetendo a uma rotina e, agora, que não precisa se submeter à rotina, em vez de se sentir livre, sente-se ABANDONADO.

Não é que ele se livrou da rotina. Foi a rotina que o abandonou. Ele foi cuspido, expelido, excretado, vomitado pela rotina.

Dessa forma, a rotina é depressiva pois que, ninguém consegue viver feliz na repetição!

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