Pesquisa divulgada nesta quinta-feira (27) pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo, mostra que 58,5% dos
entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a
frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos
estupros". Segundo o levantamento, 37,9% discordam totalmente (30,3%) ou
parcialmente (7,6%) da afirmação – 3,6% se dizem neutros em relação à
questão.
O estudo também demonstra que 65,1% concordam inteiramente (42,7%) ou
parcialmente (22,4%) com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o
corpo merecem ser atacadas", enquanto 24% discordam totalmente, 8,4%
discordam parcialmente e 2,5% se declaram neutros.
A pesquisa ouviu 3.810 pessoas entre maio e junho do ano passado em 212
cidades. Do total de entrevistados, 66,5% são mulheres. A assessoria do
Ipea não informou qual o percentual de homens e de mulheres que
opinaram especificamente em relação à questão do comportamento feminino.
Esta pesquisa demonstra que o brasileiro considera que a vítima, em determinados crimes, participa do crime ao criar ou fomentar o risco de ser vitimizada pelo criminoso.
Daí a necessidade de analisar a teoria da vitimologia baseada na autocolocação da vítima em risco
A autocolocação sob perigo existe nas circunstâncias em que alguém age
de modo a estabelecer uma situação de perigo para si próprio ou se
expõe a um perigo já ocorrente.
Deveras, conforme ensina o jurista W. FRISCH em sua obra, "haverá
autocolocação sob perigo sempre que a vítima, consciente ou
inconsciente, participe, com sua própria conduta, na realização do
resultado juridicamente protegido ". (W. FRISH, Tipo Penal e Imputación Objetiva, Colex, Madrid, 1995).
Essa autocolocação da vítima em perigo pode existir posteriormente a uma conduta do partícipe ou simultaneamente a esta.
Convém
ilustrar ainda, que a aludida teoria é bem trabalhada dentro da teoria
da imputação objetiva e do princípio da confiança.
A sua
importância se mostrou num caso concreto em que o Superior Tribunal de
Justiça abordou expressamente a teoria da autocolocação em risco,
retirando a responsabilidade atribuída a outrem - no caso, a Comissão de
Formatura, já que a própria vítima teria contribuído diretamente no
resultado de sua morte. Vejamos o aresto proferido pela aludida Corte de
Justiça:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO CULPOSO.
MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE
CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM
CONCEDIDA. 1. Afirmar na denúncia que"a vítima foi jogada dentro da
piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam
presentes, ocasionando seu óbito"não atende satisfatoriamente aos
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal
, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal,"A denúncia ou
queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais
se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o
rol das testemunhas". 2. Mesmo que se admita certo abrandamento no
tocante ao rigor da individualização das condutas, quando se trata de
delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma
acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não
demonstrar qual a conduta tida por delituosa, considerando que nenhum
dos membros da referida comissão foi apontado na peça acusatória como
sendo pessoa que jogou a vítima na piscina. 3. Por outro lado, narrando a
denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias
psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente
da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal. 4. Ainda que se
admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos
acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva,
necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de
risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável
exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das
substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa. 5.
Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora
o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com
o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se,
segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias
psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões
esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da
inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade
da conduta. 6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por
atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo
de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a
todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de
Processo Penal". (Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Arnaldo
Esteves Lima. Habeas Corpus nº 46.525 - MT (2005/0127885-1).
Conclui-se,
finalmente, que a autocolocação em risco - se observados os seus
requisitos - opera como excludente do nexo causal, e por conseqüência,
da responsabilidade criminal.